quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O HOMEM BRASILEIRO E A VERDADE


O homem brasileiro e a Verdade

• Trabalho não-publicado - 01/02/2007 •
Otto de Alencar de Sá-Pereira

Lecionávamos, há alguns anos, em uma turma de Direito, quando, tomamos uma posição, no meio da aula, bastante exuberante, quase violenta, na defesa das Verdades da Santa Igreja de Deus. Afinal, estávamos em uma Universidade Católica (de Petrópolis). Lembramo-nos que dissemos: “Uma Religião que tem a petulância a audácia e a coragem de nos ensinar que um pedaço de pão e o vinho de um cálice, consagrados por um Padre Católico, se transubstanciam no Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, e o Mesmo sendo Deus como o Pai e o Espírito Santo, logo Senhor de todo o Universo, esta Religião ou é a Única Verdadeira, ou a maior farsa de toda a História da Humanidade”.
A turma ficou boquiaberta e reinou um silêncio sepulcral. Quase todos os alunos eram católicos, mas, acreditamos, nunca tinham raciocinado a esse respeito. Falávamos sobre a Cultura, sobre a União Hipostática entre nosso corpo e nosso espírito, sobre as potências da alma, racionalidade, sensibilidade e vontade, sobre a essência do Ser Humano, feito à imagem e semelhança do Ser Absoluto, que é Deus, sobre a ressurreição dos corpos, à semelhança da própria Ressurreição de Jesus Cristo, etc, etc, quando por uma janela aberta da sala de aula, que dava sobre o corredor, o qual situava-se sobre a capela de Nossa Senhora de Sion, e portanto sobre o Sacrário, onde residia o Rei dos Reis, o Criador e Redentor Nosso, vimos, como dizíamos, um casalzinho de alunos, namorando, no corredor, de tal maneira unidos e amalgamados, em uma só matéria, que, de repente aquilo nos enfureceu, em uma santa indignação. Já tínhamos, inúmeras vezes, ao passarmos pelos corredores, presenciado situações iguais, e sempre ficávamos chocados, principalmente por tratar-se de uma Universidade Católica, onde havia ao Centro, uma capela, sempre com o Santíssimo presente. Mas, nesse dia, quando tratávamos de assuntos tão elevados, e vimos aquele deboche, aquela falta de vergonha, a poucos metros do Sacrário, perdemos o equilíbrio próprio de um professor, e vociferamos, sem que o casal nos ouvisse, aludindo ao que estávamos vendo, seguido da frase, antes aqui reproduzida. A indignação foi grande e seguiu-se de considerações pela falta de Fé, de Fé Verdadeira, por isso intitulamos esse artigo, como está no cabeçalho. Porque não é só na nossa Universidade, nem só nas outras universidades, é em todo o Brasil, infelizmente. Na realidade é em todo o Mundo. O homem contemporâneo vive como se Deus não existisse. A falta de Fé, Esperança e Caridade, é desconhecimento da Verdade. Tomando o nosso Brasil, em particular, podemos observar, o que dizíamos, de Norte a sul, de Leste a Oeste; em todas as classes sociais e especialmente, e isso é calamitoso, nas classes mais cultas, mais abastadas, mais eruditas. A Religião para esses é um folclore, às vezes interessante e útil, mas quase sempre maçante. O que Cristo ensinou serve para enfeitar algumas ocasiões festivas ou fúnebres de suas famílias, mas a verdade não é conhecida, e, quando conhecida, não é praticada. São os milhões de católicos de carteirinha, existentes, infelizmente, em nosso Brasil. Quando há Fé, essa é mal interpretada. Em nossa Universidade, existe, à direita da porta principal da capela, um belíssimo crucifixo, quase de tamanho natural. É edificante ver um aluno rezar aos pés desse crucifixo, abraçando os pés do Cristo. Mas esse mesmo aluno, ao entrar na Capela, não faz a menor menção de reverenciar o próprio Cristo, presente no Sacrário. É claro que, do ponto de vista sensível, o crucifixo impressiona mais. Mas aquele que tem Fé, deve atentar que o crucifixo é só uma escultura d’Aquele, que no Sacrário, nas hóstias consagradas, no Santíssimo Sacramento, apresenta-se na Sua Realidade de Corpo, Sangue Alma e Divindade. O homem não crê mais nessa Verdade, ou Melhor, na Verdade, pois Deus é a Verdade. Aquele que não é ateu, prefere dizer que Deus está em toda parte, no Céu, na Terra, em todo o Universo e até dentro de nós. E é verdade! Mas então, porque, na Última Ceia, Jesus o Homem-Deus, instituiu a eucaristia? Evidentemente, Ele não o fez sem um sentido, sem um propósito, porque Deus não faz nada sem um especifico propósito, e sempre para o nosso bem, pois Ele nos ama quase tanto quanto à Sua Mãe Santíssima. Foi por um infindável amor que Ele instituiu a Missa, e no Seu cerne, a repetição do Sacrifício do Calvário, com a Eucaristia e a Sua consumição, para nos alimentar espiritualmente. Em outros tempos, o homem cria nessas verdades. Um fidalgo espanhol, de pouco mais de vinte anos, no século XVII, foi, como quase sempre fazia, a uma taberna, beber e cair na esbórnia. Levava sua espada à cinta, seu colarinho “plissé” seu colete de couro suas calças bufantes, suas botas e chapéu de plumas. E no coração uma verdadeira Fé. Era jovem, não era santo, mas praticava sua religião. Passou parte da noite, bebendo, comendo, dançando e brincando, e a outra parte, no sobrado, na cama com uma prostituta. Quando viu, o sol, raiar, juntou seus pertences, vestiu-se mal ou bem, mas não esqueceu nada, muito menos o chapéu de plumas e o cinturão com a espada. Saindo da bodega, meio vivo, meu morto, ainda com sono de vinho, mas quase lúcido, deparou-se com uma procissão que passava, com um crucifixo à frente levado por um seminarista, vários coroinhas, carregando velas e tocando as sinetas, e no centro um pálio carregado por homens da Congregação do Santíssimo Sacramento, e debaixo dele um Sacerdote que trazia, circunspecto um cibório, onde levava o Santíssimo, para dar comunhão a doentes. O jovem fidalgo, tirou rapidamente o chapéu e pôs-se de joelhos ainda cambaleante, para adorar o seu Deus! Eis que, de uma esquina, surge um grupo de mouros islamitas (ainda os havia muitos na Espanha, nessa época) que atacam a procissão, com a intenção principal de profanar o Santíssimo Sacramento e matar o Padre e os coroinhas. Os mouros eram uns vinte homens. O jovem figalgo, sem titubear um instante, desembainha sua espada e avança violenta e corajosamente sobre os mouros. Matou uns dez, mas acabou morto. E morto, em defesa de sua Fé. O fato foi logo conhecido, e a Igreja imediatamente abriu um Processo de Canonização por Martírio. O que é o Martírio? É o Batismo pelo Sangue derramado, que apaga todos os pecados. O jovem fidalgo, no espaço de poucos meses, passou da cama de uma prostituta, para os altares das igrejas, à devoção dos fiéis; Hoje, quando um Padre ou Ministro ou Ministra da Eucaristia, passa pelas ruas, tendo na bolsa, o Criador do Universo, ninguém fica sabendo, ninguém o acompanha, nem ao menos, um castiçal e orações, nada, nada, e... É Deus que passa.
Para onde caminha esse Mundo e nele o nosso Brasil? Entretanto, graças às orações penitências e sacrifícios de uns poucos, o homem brasileiro, talvez volte a conhecer a Verdade, pois inúmeras são as Congregações e Institutos católicos, que ultimamente, estão surgindo no Brasil, atendendo à frase de N. Senhora, em Fátima: “No fim o Meu Imaculado Coração Triunfará”. FIM........



quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

D.MANUEL PEDRO DA CUNHA CINTRA

D. MANUEL PEDRO DA CUNHA CINTRA

• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Eu tinha 16 (dezesseis) anos, e como todos os jovens de famílias conhecidas como ilustres, ou pelo dinheiro, ou pela tradição ou pela educação, passávamos nossos longos verões na aprazível Petrópolis, naquela época ainda muito mais que hoje. A Missa obrigatória dos domingos era a de 11 horas na Catedral. O povão petropolitano ainda chamava a Catedral de Matriz, ou porque ainda não se tinha habituado, ou não tinha sabido que Petrópolis agora era uma Diocese.
A aristocracia petropolitana claro sabia que o Santo Padre Pio XII pela bula Pastoralis qua urgemur, de 13 de abril de 1946, erigira a nossa Cidade Imperial à categoria de Diocese, que não só compreendia esse Município, mas também Teresópolis, Magé, Duque de Caxias, parte de Paraíba do Sul e parte de Três Rios. E, a 9 de janeiro de 1948, Sua Santidade escolhera Mons. Manoel Pedro da Cunha Cintra para seu primeiro Bispo Diocesano. Os cariocas estavam mais bem informados, pois a Missa das 11 horas era sempre, ou quase sempre, celebrada por Dom Manoel Pedro, que ficou mais conhecido por D. Cintra. Depois da Missa a cariocada jovem ia para as piscinas ou quadras de tênis, em mansões que suas famílias possuíam aqui em Petrópolis. Seguiam-se vastos almoços que duravam até às 15 ou 16 horas. Depois do almoço, voltavam todos para suas respectivas casas e combinavam encontrarem-se, mais tarde, no D’Ângelo, para talvez, um cineminha, depois da chuva. Essa, invariavelmente, começava entre 16h30min ou 17 horas e durava uma hora ou hora e meia.
Em um desses domingos de 1948 — talvez me equivoque do dia da semana, mas deve ter sido domingo, às 11 horas —, assistimos a uma das mais belas cerimônias litúrgicas de nossas vidas. De repente, o órgão e um belíssimo coral entoaram cânticos grandiosos, de Handel ou Bach; todos se puseram de pé e a Catedral estava repleta e vimos entrar enorme cortejo iniciado por um belíssimo crucifixo de prata levado por um seminarista e seguido por grande número de seminaristas, padres e monsenhores, todos com vestes romanas, com a imponência da Igreja pré-conciliar (imponência essa que, graças a Deus, vem retornando, aos poucos) e seguidos por uma figura deslumbrante, de verdadeira grandeza episcopal. Passo lento, manto roxo, com calda, mitra, báculo na mão esquerda, Sua Excelência Reverendíssima entrava em sua Catedral para a cerimônia de entronização, olhar dirigido para o alto, para Deus, rosto impávido, misto de santo e príncipe, figura altamente aristocrática!
Na medida que passava, as pessoas se ajoelhavam e recebiam a bênção pastoral de sua mão direita, enluvada e com magnífico anel de ouro com o rubi da dignidade episcopal. Seguiam-se, naturalmente, Missa Solene, a entronização propriamente dita, uma belíssima homilia, pronunciada do púlpito gótico, que infelizmente não é mais utilizado. Mas os fieis que lotavam a Catedral, nesse dia, eram talvez, compostos mais por cariocas do que por petropolitanos. Pelos menos, assim nos pareceu, pois conhecíamos muita gente ali presente, todos do Rio. Haveria petropolitanos? Certamente que sim, mas nós não os conhecíamos. Quem seriam eles? Pais e avós, talvez, de futuros alunos meus, pois naqueles longínquos 1948, eu não poderia nem cogitar que, vinte e dois anos mais tarde, lecionaria na Universidade Católica de Petrópolis. Naquele momento eu nem imaginava que um dia viria a ser professor e professor de uma Universidade, ainda não criada, e que seria criada por aquela pessoa, de quem eu recebera a bênção genuflexo, e que essa bênção me levaria a trabalhar nessa UCP, com amor, silêncio e dedicação, por 36 anos de minha vida, pelo menos até agora, 2006.
O Prefeito Castrioto, Dr. Guilherme Guinle, e muitos outros mecenas, viriam ajudar a criá-la, em 1953, mas a alma da Universidade era, sem a menor dúvida, D. Cintra. Sem ele nada teria sido feito. A Universidade, o Seminário Diocesano e muitas outras de suas realizações tinham como meta conquistar as ovelhas de sua diocese e não a nós cariocas, que já o conhecíamos, pois ele pertencia à aristocracia paulista. Conquistar e evangelizar; evangelizar e santificar. Esse era o principal cuidado do nosso Bispo, que tinha sido sagrado, a 28 de março de 1948 na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo para onde ilustres petropolitanos se tinham deslocado, para assistirem à cerimônia. Logo depois de sagrado, D. Manuel Pedro transferiu-se para Petrópolis, aqui chegando a 05 de abril, sendo recebido no Quitandinha por grande comitiva: o Prefeito Flávio Castrioto, o Presidente da Câmara Municipal e pelos Monsenhores Francisco Gentil Costa e Barros Uchôa, de Niterói, etc... Às 15 horas encontraram-se, os que estavam em Petrópolis, com os que acompanhavam Sua Excelência Reverendíssima e dali seguiram para a Câmara Municipal, onde o Prefeito pronunciou uma belíssima saudação e D. Cintra deu a sua primeira bênção pastoral. Naquela época feliz a população pretropolitana era quase toda católica — como, aliás, acontecia no Brasil todo — com ligeiras exceções de alguns descendentes de imigrantes alemães, do século XIX, que mantinham-se protestantes, mas que eram um mosquitinho na sopa brasileira. A bênção foi portanto dirigida a 99,9% dos habitantes de Petrópolis. Dias depois D. Cintra seria entronizado, como já contamos, linhas acima.
Nascido a 11 de novembro de 1906, em Piracaia, interior de São Paulo, de linhagem aristocrática paulista, como já mencionamos, ainda muito jovem sentiu sua vocação para o sacerdócio. Entrou para o Seminário de Botucatu, onde freqüentou não só o seminário menor, mas também o maior. Seus superiores, surpreendidos por seus dotes de estudo e de vida espiritual, resolveram enviá-lo para Roma, para a Pontifícia Universidade Gregoriana, onde obteve o grau de Doutor, tanto em Filosofia como em Teologia.
Ordenado sacerdote na Basílica de S. João de Latrão (a mais antiga das quatro basílicas romanas) em 26 de outubro de 1930, voltou para o Brasil em 1931, onde foi logo nomeado Cura da Catedral de Cafelândia (hoje Diocese de Lins).
Sua vida espiritual foi tomando sempre maior vulto, em função de seus estudos, de sua prática sacerdotal, principalmente no púlpito e no confessionário, onde seus fiéis o procuravam sem cessar, formando filas infindáveis, em ambos os lados, que obrigavam o Padre Manuel Pedro a permanecer horas e mais horas ouvindo confissões e direcionando seus fiéis para a santificação que é, em última analise, a verdadeira função do sacerdote. Foi logo notado pelas autoridades eclesiásticas de São Paulo, que quiseram aproveitá-lo para outras funções. De 1934 a 1939 lecionou Filosofia e Teologia no Seminário Central de São Paulo, até que em 1940 foi eleito Reitor do Seminário Central do Ipiranga.
Professor Jeronymo Ferreira Alves Neto, que dedicou um dos capítulos de sua magnífica obra “Brasileiros ilustres em Petrópolis” (da qual me servi para obter grande parte de dados históricos da vida de D. Cintra), a D. Manuel Pedro da Cunha Cintra, escreve em dado momento do artigo de seu livro, que “D. Cintra se tornou o Pai Espiritual que, ao ministrar aos jovens seminaristas os conhecimentos científicos e a mensagem evangélica, dirigia-se mais ao coração do que ao espírito impondo-se pela Bondade e governando pelo Coração”.
Nessa altura, Padre Manuel Pedro foi feito Monsenhor pelo Santo Padre Pio XII e passou a exercer funções cada vez mais destacadas, na vida sacerdotal, como o de Cônego Efetivo da Catedral de Ribeirão Preto, Juiz Pós-Sinodal do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese e visitador apostólico dos Seminários do Brasil, nomeado pela Santa Sé em 1944.
Nessa passagem de seu livro, Professor Jerônimo faz a seguinte observação: “para exercer tão elevadas funções era preciso possuir as qualidades extraordinárias de saber, prudência e peregrinas virtudes”.
Monsenhor Cintra visitou, em apenas dois anos, todos os seminários do Brasil, corrigindo defeitos encontrados e tentando melhorar o que já havia de bom no ensino e na vida espiritual. A Santa Sé, observando lá de Roma, tantas qualidades e virtudes, e sabedora dos desejos dos petropolitanos de possuírem o seu Bispo, uniu essas virtudes e desejos e, como já escrevemos, em 1946, foi criada a Diocese de Petrópolis e em 1948, Monsenhor Cintra tornou-se o primeiro Bispo de Petrópolis. Sua ação pastoral, em Petrópolis foi das mais eficazes e edificantes, durante os 36 anos nos quais dirigiu nossa Diocese. Desde 9 de janeiro de 1948 a 29 de fevereiro de 1984, quando então, obedecendo às novas normas da Santa Sé Apostólica, de que os Bispos devem renunciar ao atingirem 75 anos, D. Cintra tornou-se Bispo Emérito de Petrópolis. Ele completara 75 anos em 1981, mas o Santo Padre João Paulo II só aceitou sua renúncia em 1984. Como Bispo Emérito passou a viver e a lecionar no Seminário de Nossa Senhora do Amor Divino por ele criado.
Além da Universidade e do Seminário seu governo da Diocese foi fecundo em outras realizações, como, por exemplo, a, criação de 17 novas paróquias, a campanha “Fé, Cultura e Assistência” que realizou inúmeros benefícios, como o Abrigo par à velhice “Lar João de Deus”, a “Legião de Maria” e muitas outras obras monumentais, sem mencionarmos seu legado espiritual literário em homilias, cartas pastorais e circulares.
D. Cintra celebrou seu jubileu de ouro de Ordenação Sacerdotal em 1980, com Missa Solene e muitas outras solenidades, muitas das quais participamos na qualidade de Professor da Universidade Católica de Petrópolis. Nessa ocasião pudemos lembrar daquela bênção que recebemos, com 16 anos, em 1948, quando o grande Bispo de Petrópolis adentrou solenemente em sua Catedral, onde hoje jaz em seu sepulcro, em torno do Altar Mor de S. Pedro de Alcântara desde sua morte em 30 de março de 1999, quando Nossa Senhora do Amor Divino veio buscá-lo, para ser um de seus caudatários, na Corte Celeste.
FIM

UM REI CATÓLICO

Um Rei Católico

• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Nos exemplares dos dias 8 e 9 de fevereiro de 2006, do Jornal O Globo, na seção intitulada “O Mundo”, encontramos a terrível notícia do assassinato do Padre católico, Andréa Santoro, de 61 anos, italiano, pároco de Trebizonda, na Turquia. Poucos dias antes de sua trágica morte, ele havia escrito ao Santo Padre Bento XVI, pedindo que, em sua viagem à Turquia, programada para novembro desse ano, não deixasse de visitar sua Paróquia de Trebizonda (nome que nos faz reviver antigas passagens históricas da Idade Média, do tempo das Cruzadas e do Império Bizantino).
O Padre Andréa foi morto a tiros, por um jovem islâmico de 16 anos, recrutado por um grupo extremista, como vingança das charges ofensivas a Maomé, publicadas em diversos jornais europeus e americanos.
A resposta do Santo Padre ao nefasto ocorrido, foi declarar que “o Padre Andréa era um silencioso e corajoso servidor do Evangelho”, - “que o sacrifício de sua vida contribua para a causa do diálogo entre as religiões e a paz entre os povos”.
Entretanto, o Ministro da Reforma, da Itália, Roberto Calderoli, sugeriu que o Papa liderasse uma Cruzada, naturalmente Cristã, contra o Islã, assim como haviam feito S. Pio V (1566-1572), com a vitória dos cristãos, na batalha naval de Lepanto, contra enorme frota turca, que pretendia invadir a Europa, ou então Inocêncio XI (1676-1689), que conseguira que o Imperador do Sacro Império Romano Alemão e o Rei da Polônia, Poniatowski, vencessem os turcos otomanos que já cercavam Viena e que, com o tempo, mais tarde, foram expulsos totalmente da península balcânica. (É preciso lembrar que a queda do Império Bizantino em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, deu início à invasão islâmica, em todos os países balcânicos, tanto que, até hoje, algumas dessas nações, ainda se conservam muçulmanas, como, por exemplo, a Bósnia-Herzegovínia e a Albânia).
Vejamos, nesse fato histórico, um contraste: o jovem islâmico, ao atirar no Padre Santoro, que terminara de consagrar o Corpo e o Sangue de Cristo, pois estava no fim de sua Missa, ao atirar, gritou: “Alá é grande!” A essa ação ignominiosa, a resposta da Santa Igreja saída dos lábios do Vigário de Cristo, foi plena de doçura e paz. Apesar dessa resposta, verdadeiramente sublime, o Ministro da Reforma, da Itália, quereria voltar aos tempos de guerra armada, entre cristãos e muçulmanos? Em uma coisa ele está certo: “os islâmicos mudaram sua estratégia; antes usavam só terroristas, agora movem as massas e atacam embaixadas”.
Mas...Daí voltarmos aos tempos das cruzadas e das reações da Igreja e de Reis Cristãos contra os islamitas, nos século XVI e XVII, há um abismo!
Esse abismo não é só histórico, mas, também psicológico. Nos tempos medievais, os turcos, que se tinham convertido ao Islã, graças aos árabes, de repente consideraram os árabes muito benévolos, em relação ao mundo cristão (eram principalmente os árabes que faziam a ligação comercial entre Ocidente e Oriente – o que permitia aos cristãos visitarem os Lugares Santos, etc), e conquistaram o Império Árabe do Oriente, dos Abássidas, cortando totalmente a comunicação da Europa com o Oriente (cristão bom é cristão morto).Naturalmente isto causou a indignação contra os turcos, sendo o pretexto das sete Cruzadas, que se sucederam desde o século XI até o século XIII, inicialmente movidas por um espírito totalmente religioso, e com o tempo, levadas por interesses também políticos, econômicos e sociais. A última delas, a 7ª, do século XIII, causou a morte do grande Rei de França, S. Luis IX.
Já nos séculos XVI e XVII, com as vitórias cristãs de Lepanto (século XVI) e das portas de Viena (século XVII), os cristãos estavam se defendendo em legitima defesa. Se nos séculos das Cruzadas, eles tinham sido os atacantes, agora eles eram os agredidos. Já muda de figura!
Hoje, os cristãos voltam a ser os agredidos e por que? Na realidade, na triste realidade atual, o percentual de muçulmanos que leva sua religião a sério é muitíssimo maior que o de cristãos, principalmente os cristãos europeus e norte-americanos, que não fazem só charges ofensivas a Maomé mas que também o fazem do próprio Cristo, de Maria e dos anjos e santos, e pior ainda, filmes e livros blasfemos, dos quais os piores foram “A última tentação de Cristo” e o ridículo “Código Da Vinci”.
Os cristãos não crêem mais em Deus! Se Cristo fosse vítima de charges em Damasco, ou Beyruth ou Badgad, não haveria, tenho certeza, a menor reação dos cristãos. Haveria certamente uma nota reprobatória do Vaticano e os católicos integristas e os mais tradicionais e piedosos, talvez fizessem alguns atos pacíficos de desagravo a Jesus e Maria, com procissões, missas e ladainhas. E essa seria a reação justa, mas infelizmente, estes católicos, constituem hoje uma minoria no mundo cristão. No Ocidente moderno vive-se, ou não tomando em consideração a doutrina cristã, ou como se Deus não existisse. “Hélas, malhereusement”! Já na Idade Média e mesmo no século XVI, especialmente na Espanha, a terra do grande Rei católico, as atitudes eram outras.A batalha de Lepanto, contra a invasão dos turcos na Europa foi vitoriosa graças às orações, jejuns, penitências e missas que S. Pio V, o Papa, Felipe II o grande Rei da Espanha, o Rei Católico, e seu general-almirante D. João d’Áustria, (tio bastardo do Rei) ordenaram que fossem praticados por todos os soldados e marinheiros cristãos. E veio a vitória! Os turcos foram massacrados. A notícia da vitória católica só chegou a Roma alguns dias depois, mas na hora da vitória, S. Pio V recebeu um aviso do Céu, e ordenou o badalar de sinos de todas as igrejas de Roma.
Felipe II rezava na sua capela do Escurial, quando chegou à boa nova da vitória de Lepanto. Quando o Rei estava em oração, nenhum de seus palacianos, nem mesmo da Família Real, ousava interrompê-lo. Quando finalmente terminou suas preces, os nobres aproximaram-se dele, em reboliço, para lhe transmitirem a notícia alvissareira. Ele, entretanto, impávido, sem mudar sua expressão facial, respondeu: “Ya lo sabia” (já sabia). Como era possível que ele soubesse? Só mesmo, também, por meio de uma comunicação sobrenatural. Depois, ordenou que se badalassem os sinos e se celebrassem vários “Te Deum” e Missas em Ação de Graças. Quem foi esse Rei, que injustamente, a Enciclopédia Britânica tem a petulância de declarar, “o menos devasso dos Reis europeus do período Renascentista? Devasso? Um Rei quase santo, isso sim”.
Já sua origem dinástica, genealógica, o encaminhava para uma vida santa. Seu pai, fora o Imperador Carlos V do Sacro-Império-Romano-Alemão e Carlos I da Espanha, homem de sua época, mas também um soberano que não vivia sem Deus. A prova está nos fatos que precederam seu falecimento: sentindo que ia morrer, abdicou da coroa espanhola para seu filho Felipe II e de suas possessões germânicas para seu irmão Fernando, conseguindo que esse o sucedesse como imperador do Sacro-Império. Depois dessa dupla abdicação, retirou-se para o mosteiro de Yuste, fez-se frade, onde veio a morrer poucos anos depois. Carlos V dividira em duas partes, suas possessões hereditárias, pois, dizia-se, na época, que o sol nunca se punha sobre seus domínios. E era verdade, pois, de seu pai Felipe I de Áustria (Habsburgo) ele herdara as nações germânicas e a Coroa Imperial. De sua mãe Joana de Aragão e Castela, vinham os feudos ibéricos reunidos nos Reinos de Aragão e Castela, de seus avós, os Reis Católicos, Fernando e Isabel, de onde provinham também às terras de Flandres, Nápoles e Sicília, o ducado de Milão, e, além mar, quase todo o Continente Americano, e possessões africanas, asiáticas e na Oceania, (as Filipinas).Já Felipe II, de sua mãe recebera uma rígida e piedosa educação católica, pois a Imperatriz Isabel era nascida infanta de Portugal, filha de D. Manuel I, o Venturoso (em cujo reinado Cabral tomou posse das terras de Santa Cruz, depois Brasil).
Carlos V e Isabel, os pais de Felipe o educaram como Príncipe católico, pleno da concepção de que seu poder provinha de Deus e o modo de dar contas a Deus de seus direitos, consistia em amar e dedicar-se inteiramente à Igreja e a seu povo.“Pola ley e pola Grey”, como se dizia na época: “pela Lei de Deus e pelo povo de Deus”. O Rei, desde seu tempo de Príncipe herdeiro, era quase adorado pelo povo espanhol e por todos seus súditos católicos das outras regiões e continentes (só não era apreciado, por razões óbvias, pelos súditos protestantes, das terras de Flandres). Casou-se quatro vezes. O primeiro casamento, com sua prima Maria de Portugal, que lhe deu um herdeiro, D. Carlos, que ele muito amou, mas, que morreu cedo. Seu segundo casamento, foi inteiramente político, pois sua esposa Maria I Tudor, da Inglaterra, pretendia, com o marido, restabelecer o catolicismo na Inglaterra, que desde o pai dela Henrique VIII, estava dividida entre católicos e protestantes, com a criação da Igreja Anglicana, pelo Rei seu pai. Mas Maria I Tudor, também morreu cedo, de um tumor cancerígeno, deixando-o viúvo pela segunda vez, e perdida a Inglaterra para o protestantismo. Organizou a “Invencível Armada” para reconquistar a Grande Albion, mas, os caminhos da Providência são diferentes dos nossos, e a Armada fez-se em pedaços pela fúria dos mares no Golfo de Biscaia. A Inglaterra ficou com sua cunhada Elizabeth I, filha bastarda de Henrique VIII com Ana Bolena, que concretizou um protestantismo, à moda inglesa, em seu reinado. Para evitar guerras com a França, Felipe II casou-se, uma terceira vez, com Isabel de Valois (filha de Henrique II de França e de Catarina de Medicis). A rainha morreu sem lhe dar um herdeiro homem, e hei-lo viúvo pela terceira vez. Casou-se ainda uma quarta vez com Ana Maria de Áustria (uma Habsburgo, como ele), e essa então deu-lhe o esperado herdeiro, que o sucederia no trono espanhol como Felipe III.É interessante observar que foi Felipe II que usurpou o trono de Portugal, em 1580. Uma usurpação um tanto “sui generis”. Seu primo o Rei D. Sebastião de Portugal, morrera ou desaparecera na Batalha de Alcacer-Kebir, contra os mouros, no norte da África. D. Sebastião era solteiro, não tinha filhos, nem irmãos, nem sobrinhos, nem primos de primeiro grau. Sua morte ou desaparecimento, deu-se em 1578, e, não havendo herdeiro direto, quem assumiu a coroa, pela Sagrada Linha de Sucessão Dinástica, foi um irmão de seu avô D. João III (das Capitanias Hereditárias), seu tio-avô, o Cardeal-Rei D. Henrique II, que só viveu dois anos, falecendo em 1580, ano trágico na História de Portugal. Com a morte do Cardeal-Rei, naturalmente sem herdeiros diretos, a Coroa portuguesa caberia a uma sobrinha-neta de D. Henrique II e de D. João III, D. Catarina, casada com um Príncipe português, de uma ramo mais colateral, o Duque de Bragança. (Origens da Dinastia de Bragança). Mas, D. Catarina era mulher e seu marido não tinha poder militar. Outro primo dela também sobrinho-neto dos Reis citados e portanto, como ela, primos em 2º grau de D. Sebastião (o desejado), D. Antônio, Prior do Crato, tentou uma resistência militar contra Felipe II (que também era primo deles, uma vez que, sua mãe, a Imperatriz D. Isabel, era irmã de D. João III e do Cardeal-Rei D. Henrique II). Felipe II era, entretanto, o mais poderoso Rei da Europa. O Prior do Crato tentou resistir, mas além de sua fraqueza militar, havia outro percalço contra ele: ele era bastardo do sobrinho dos citados Reis. A verdadeira detentora dos direitos ao trono era mesmo D. Catarina de Bragança. Apresentamos como um empecilho de fazer valer seus direitos, o fato de ser mulher. Mas, nessa mesma época, Elizabeth I não mandava e desmandava na Inglaterra? E Catarina de Medicis (princesa florentina), viúva de Henrique II de França, não fora Regente, com autoridade absoluta, nas minoridades de seus filhos, Francisco II, Carlos IX e Henrique III? Não fora ela que determinara o assassinato de todos os protestantes de Paris na célebre noite de S. Bartolomeu? Não eram elas também mulheres? Sim! Mas não eram ibéricas! A Península Ibérica, onde situam-se Portugal e Espanha, passara por sete séculos de domínio islâmico e guerras contra os mouros. Em sete séculos de lutas, cada lado pode conservar sua Fé, mas as culturas, mesclam-se. Houve até casamentos entre Príncipes cristãos e princesas muçulmanas e vice-versa! A cultura mourisca-islâmica influenciou muito a vida de espanhóis e portugueses. A mulher espanhola ou portuguesa, sofrera uma solução de inferioridade, como a mulher islâmica, por força do Corão. (O Corão ou Al Corão ensina que Alá criou primeiro o homem, depois o cavalo e só depois a mulher).
Com um resquício dessa cultura, mesmo sendo católica, como D. Catarina poderia opor-se ao poderoso primo, Felipe II de Espanha? Felipe II, embora neto de D. Manuel I, e sobrinho de D. João III e de D. Henrique II, não poderia nunca pretender à coroa portuguesa, pois, nas Cortes de Leiria, originárias do século XIV, ficava determinado, com força de lei, que jamais um soberano estrangeiro poderia cingir a coroa portuguesa. E Felipe II, como Rei de Espanha, era soberano estrangeiro.
Apesar disso, ele, vitorioso, desembarcou em Lisboa, como Rei de Portugal, (Felipe II em Madri; Felipe I em Lisboa) e quando os fidalgos portugueses, bajuladores, prostraram-se a seus pés, o saudando em espanhol, o Rei lhes reprovou asperamente, mas, em um português perfeito: “Como ousais dirigir-vos ao Rei de Portugal, em língua estrangeira?” O resultado dessa usurpação, de 60 anos, (1580-1640) com Felipe II (Felipe I em Portugal), Felipe III (Felipe II em Portugal) e Felipe IV (Felipe III em Portugal), foi o início das decadências espanhola e portuguesa, como potências de primeira categoria, para potências inferiores. Portugal foi humilhado pelo domínio dos Felipes, tanto que, quando da Restauração (com D. João IV de Bragança, neto de D. Catarina), usa-se, em terras lusitanas, chamar-se a Restauração de “Independência de Portugal”. Espanha inimiga e rival tradicional dos Estados dos Países Baixos, tanto do ponto de vista religioso (os holandeses eram protestantes), como dos pontos de vista político e econômico-comercial (os batavos possuíam uma excelente frota comercial). A antiga aliança entre Portugal e Holanda, no comércio triangular do açúcar, desfez-se, por ordem de Felipe II. Ele não podia permitir que seus arquiinimigos, os holandeses, se beneficiassem desse comércio, que era de grande valia. De fato, ele consistia no seguinte: navios comerciais, portugueses e holandeses (com a autorização do Rei de Portugal, naturalmente, anteriores aos Felipes), partiam de seus portos de origem, na Holanda e em Portugal, carregados de bugigangas baratíssimas, compradas nos camelôs de Amsterdã e de Lisboa; sem valor para os europeus, mas que enchiam a vista dos Reis africanos, que ainda se encontravam na Idade da Pedra. Essas embarcações dirigiam-se para a África Ocidental, onde trocavam (escambo) as bugigangas por centenas ou milhares de escravos. Os Reis africanos possuíam milhares de escravos de tribos vencidas em guerras. O Rei católico Felipe II permitia esse barbarismo, não por considerar que os negros não tivessem alma (séculos antes a Santa Sé Apostólica já ensinara que todos os homens, brancos, negros ou amarelos, descendiam de Adão e Eva, e que portanto possuíam alma) mas sim, movido pela ganância dos interesses econômicos. Muito antes de seu reinado, nos séculos XI, XII e XIII, as Cruzadas, como já vimos, não tinham sido movidas por interesses políticos, econômicos e sociais além do religioso? E isso na Idade Média, “L’âge de la Foi”, a “Doce primavera da Fé”, como a qualificou Leão XIII, no século XIX? Isso portanto nos mostra que, mesmo nos períodos mais místicos da História da Humanidade, o homem sempre foi o homem, pleno de defeitos e qualidades, na medida em que desequilibrava ou conseguia equilibrar as potências de seu espírito, a racionalidade (ou inteligência), a sensibilidade e a vontade, à Luz da Fé, praticando vícios ou virtudes. Na Idade Média predominaram as virtudes, no meio de muitos vícios, já no Renascimento, predominaram os vícios, no centro de muitas virtudes. Felipe II foi um Rei renascentista, mas com espírito ainda medieval. Em seu espírito predominavam as virtudes, mas havia vícios (por isso, nunca pensou-se em canonizá-lo).Continuando o comércio triangular do açúcar, os navios comerciais partiam da África carregados de escravos negros, e seguiam para o Brasil. Aqui, esses escravos, depois de devidamente engordados (nos navios negreiros, os que não morriam e eram jogados ao mar, emagreciam enormemente, ou por doenças ou alimentação deficiente; por isso, a necessidade de engorda), eram vendidos a preço de ouro, homens, mulheres e crianças. Só aí, esses comerciantes já obtinham enorme lucro. Com parte desse lucro, compravam açúcar (artigo cobiçadíssimo na Europa).Vendiam o açúcar na Europa, e então estava terminado o triângulo: Europa, África, Brasil e novamente Europa. Com a milionésima partes desse lucro, compravam as bugigangas e davam início a outro triângulo comercial. O que se passava na Europa, nessa época, é o que os historiadores, costumam chamar de “Revolução Comercial”, “Grandes Navegações”, “Descobrimentos Marítimos”, “Proto-Capitalismo”. E no meio dessas mudanças brutais, da Idade Média Feudal, para a Idade Moderna, Proto ou Pré Capitalista, situa-se Felipe II, um Rei de espírito medieval e de hábitos renascentistas. Houve um escritor que comparou o espírito de dois grandes padres, contemporâneos a Felipe, e que compartilham, os dois juntos a alma do Rei espanhol. Dizia o escritor: “Padre Manuel Bernardes, mesmo falando dos homens tem os olhos em Deus, e Padre Antônio Vieira, mesmo falando de Deus tem os olhos nos homens”. Felipe II tinha sempre os olhos em Deus, mas lidava com os homens, entretanto, às vezes queria que os homens, seus súditos, fossem perfeitos, como Deus é perfeito. Na realidade repetia as palavras de Jesus: “Sede perfeito como Vosso Pai Celestial é perfeito”. Aí está a contradição: um Rei catolicíssimo vivendo no século XVI, início do Renascimento, tendo de lidar com Reis franceses libertinos como Henrique II, como Carlos IX e Henrique III. Tendo que se indispor constantemente com Elizabeth I da Inglaterra e às vezes até com alguns Papas de espírito renascentista, como por exemplo, os Papas políticos e guerreiros Júlio II, Leão X e seus imediatos sucessores que vestiam armadura e iam combater em campo de batalha. Como Felipe II tinha possessões na Itália, não raras vezes, seus exércitos se chocavam com os exércitos pontifícios. Em uma das vitórias espanholas, o Papa mandou perguntar ao Rei, qual seria o seu “butin”. O Rei deu uma resposta que consiste numa mescla de Rei Católico com “O Quixote Renascentista”: Que Vossa Santidade me considere o mais católico de todos os Reis da Cristandade!”“.
Tinha que lidar com os Protestantes, que não existiam na Espanha, nem na Itália, nem na Áustria de seus primos Habsburgo, mas que proliferavam na França (os huguenotes), sua vizinha fronteiriça, e em suas terras de Flandres, pegadas aos superprotestantes Estados Holandeses e da Alemanha do Norte. Apesar de todos os seus problemas políticos, religiosos, militares e de seus casamentos sucessivos e nada felizes, apesar de seu desgosto com a morte do filho D. Carlos, apesar de tudo isso, o reinado de Felipe II era apreciadíssimo por seus súditos e é, até hoje, reconhecido como um dos grandes reinados da História, por historiadores coerentes. Rei da Espanha e de Portugal, Rei de Nápoles e da Sicília, Duque de Milão, Senhor de Flandres, Soberano das colônias Americanas do Norte do Centro e do Sul, de possessões africanas, asiáticas e da Oceania (as Filipinas), espalhou a cultura, a língua, os costumes espanhóis, por toda a parte, e a Religião Católica tornaram-se professadas em todos os continentes do mundo, pois ele incentivava e financiava as ordens religiosas (principalmente jesuítas e franciscanos) e a formação de Dioceses Católicas em todos os rincões do mundo. No Brasil, devido ao seu decreto de suspensão do comércio triangular do açúcar praticado pelos holandeses, foi o causador das invasões holandesas (da Companhia das Índias Ocidentais) que queriam recuperar seus portos, do comércio triangular do açúcar, aqui e na África A Bahia e depois Pernambuco quase todo nordeste brasileiro foram os alvos dos holandeses, que, sem dúvida foi uma derrota espanhola, apesar da final expulsão dos holandeses em 1650 (já no reinado de seu neto Felipe IV). Seu reinado de vitórias e derrotas teve um aspecto positivo (segundo o ponto de vista espiritual) e negativo (segundo o ponto de vista materialista-capitalista). Esse duplo aspecto pode ser assim apresentado: para espalhar a Fé Católica por todo o Orbe, ele arruinou a “Espanha”. Seu espírito é visto, até hoje, concretizado em uma das maiores obras arquitetônicas, já construídas: O Palácio-Convento-Fortaleza do “Escurial”. Quem o observar de fora e mesmo de dentro, se deparará com uma beleza austera de rara felicidade. Sóbrio, forte, magnífico, dominador! Entretanto a igreja do Escurial embora séria, é leve, quase barroca de grandeza e beleza verdadeiramente celestiais! Nele vemos a alma de Felipe II, do Rei Católico, que agora, certamente já está contemplando a Sagrada Face de Deus, em companhia da Santíssima Virgem, dos Anjos e Santos e, com toda a certeza do mártir Padre Andréa Santoro, Pároco de Trebizonda.

FIM

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena. Rainha da França

Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena,
Rainha da França


• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Estamos em 1793, plena Revolução Francesa. A Rainha Maria Antonieta encontra-se encarcerada na Prisão do Templo, que tinha esse nome, porque fora a sede dos Templários, nos séculos XIII e XIV. Sua cela é pequena e suja, e ela não está sozinha, acompanham-na seus dois filhos o Delfim (herdeiro do trono) Luís, sua filha Maria Thereza (futura Duquesa d’Angoulême; depois da Revolução, depois de Napoleão, na Restauração dos Bourbons, ela casou-se com seu primo irmão, o filho primogênito do Conde d'Artois, depois Carlos X, o Príncipe Duque d’Angoulême) e sua cunhada, Madame Elizabeth irmã do Rei Luis XVI, que naquele momento está sendo conduzido para a guilhotina.
Os quatro Príncipes encontram-se em oração diante de um rústico crucifixo. De repente, ouve-se tiros de canhão, rufar de tambores, gritos e algazarras dos guardas da prisão e do povo nas ruas. Era o sinal, o Rei acabara de ser guilhotinado. A Rainha, que só tinha 38 anos, mas que envelhecera visivelmente, nos anos de sofrimento, desde 1789, a cabeça ficara inteiramente branca, recompõe-se, e com a mais triste e digna das atitudes, ajoelha-se diante do filho de 8 anos, o novo Rei, seguida, em seu gesto, pela filha e pela cunhada. Baixo, pronunciam a fórmula multissecular: “Le Roi est mort, vive le Roi!” O menino Delfim era agora de direito, Sua Majestade Cristianíssima Luís XVII, Rei de França e de Navarra. Rei que não reinou, mas que foi reconhecido como tal, por todas as monarquias européias, que, na época constituíam a Europa inteira, menos a Suíça, San Marino, e desde o ano anterior, a própria França; Rei que sofreu horrores, e que finalmente, morrendo em conseqüência dos sofrimentos em 1795, deu direito, a seu tio, que estava no exílio, Príncipe Luís Stanislau de Bourbon, Conde de Provença, se proclamar, o Rei Luís XVIII de França, que veio a reinar, mais tarde, depois do furacão napoleônico, de 1814 a 1824, no período da restauração. Em seguida à morte de Luís XVI, o novo Rei de 8 anos foi por ordem dos revolucionários separado da mãe, da irmã e da tia, e tratado por um sapateiro, homem sem escrúpulos, que metia na cabeça do pequenino Rei as mais porcas e pornográficas histórias sobre sua mãe, a Rainha, sobre seu pai o falecido Luís XVI, enfim sobre toda a Família Real, e alimentando-o tão mal, que o menino só viveu mais dois anos, depois da morte de seus pais, Luís XVI, em janeiro de 1793 e Maria Antonieta em outubro do mesmo ano.Esse ano de 1793, para a Rainha Maria Antonieta, foi o seu calvário, sua santificação, que se findou com o martírio.
Ela era filha da Imperatriz do Sacro-Império-Romano-Alemão, Maria Thereza, essa, filha do Imperador Carlos VI, o qual, em seu reinado, não tendo filhos homens, fez tudo para que os Príncipes Eleitores aceitassem eleger sua filha para o Trono Imperial. Já na Hungria, uma das possessões dos Habsburgo, a tinham aceito, mas com o título de Maria Thereza, Rei da Hungria. Não conseguindo, Carlos VI propôs a eleição de seu genro, Francisco, Duque de Lorena, para a Coroa Imperial. Assim Francisco de Lorena tornou-se o Imperador Francisco I do Sacro-Império, naturalmente depois da morte de seu sogro Carlos VI; sua mulher, Maria Thereza passou a ser a Imperatriz-Consorte. Mas Francisco de Lorena morreu cedo e Maria Thereza assenhoreou-se da Coroa Imperial, em lugar de seu filho José II, que só era o Imperador, mas que só reinou mesmo depois da morte dela.
Maria Thereza foi portanto, a última Habsburgo por varonia. A partir dela, seus descendentes serão Habsburgo-Lorena, como era Maria Antonieta, seu irmão José II, que não teve filhos, seu outro irmão Leopoldo II e seus muitos descendentes (um deles, filho primogênito, Francisco II do Sacro-Império, mas depois, Francisco I do Império Austríaco, a partir do Congresso de Viena), o pai de nossa Imperatriz D. Leopoldina, que portanto, era sobrinha-neta de Maria Antonieta.
A Corte de Viena, de onde veio Maria Antonieta, era brilhante artisticamente, mas era uma corte austera, dirigida pelo cerimonial espanhol, muito rígido. A pequena Maria Antonieta, Arquiduquesa de Áustria, é dada em casamento em 1770, ao Delfim Luís de França neto de Luís XV, da Casa de Bourbon, futuro Luís XVI. Da Corte austera do Hoffburg e do Schoenbrunn, em Viena ela se maravilha com a alegria, festas e futilidades da Corte de Versalhes. Afinal de contas ela só tem 15 anos! Sua mãe, a Imperatriz, a escreve sempre, pedindo-a para manter seus hábitos religiosos, sua seriedade, e virtudes. Seu marido não gosta de futilidades e de festas, mas não lhe constitue um empecilho, pois seus cunhados e seu primo o Duque de Orleans (futuro Philippe Égalité), a levam para toda parte, não só para as festas do próprio Versalhes, que são diárias, com uma nobreza que a bajula e mimoseia (esperando favores futuros, quando ela fosse Rainha), mas também para teatros e salões de Paris.
Seu marido procura prendê-la no palácio, em seus aposentos, argumentando que o povo francês já não estava apreciando sua vida, quase dissoluta; mas, sem resultados, ela era muito jovem e ficara encantada com tudo aquilo e achava que não tinha mal nenhum em divertir-se.
O povo francês, digo mal, o parisiense, passou a detestá-la. Não o povo das ruas, mas a burguesia, contaminada pelas idéias iluministas, que aproveitava-se dos boatos contra a Delfina para preparar a derrubada da monarquia, da mais prestigiosa monarquia da Europa. O ódio contra a Princesa Delfina, uma criança, era insuflado por esta burguesia, aumentando a gravidade das leviandades de Maria Antonieta e inventando outras. Muitas eram as Princesas, Duquesas, Marquesas e Condessas que agiam como ela, raramente na companhia de seus maridos como eles também em companhias de outras senhoras. Isso não era novidade; a Corte de Versalhes era conhecida pela dissolução de costumes, desde Luís XIV (1643-1715). Mas Luís XIV, na velhice, mudou tudo. Transformou Versalhes em um convento. Com o Regente, e com Luís XV (1715-1774) voltou aos poucos, o espírito dissoluto da Corte, de festas e futilidades, que foram num crescendo tão grande que a própria honra e o próprio amor próprio dos nobres, foi sendo corrompido. Era chique adotarem as idéias dos filósofos iluministas. Era uma Babilônia, uma Sodoma, à espera do castigo de Deus. Um grande historiador brasileiro escreveu um livro sobre essa fase da História de França, que ele intitulou: “Despreocupados a caminho da guilhotina”.
Esse crescendo atingiu o cume no reinado do pobre Luís XVI, homem simples e religioso, que amava a mulher e por amá-la, não tinha pulso para retê-la e afastá-la das más companhias. Umas dessas más companhias, as famílias de seus cunhados, o Conde de Provença (futuro Luís XVIII – 1814-1824) e o Conde d’Artois (futuro Carlos X – 1824-1830) emigraram quando teve início a Revolução e o Duque d’Orleans (que fez a família emigrar) mas ele mesmo ficou e declarou-se revolucionário. Na Assembléia Revolucionária a partir da instauração da República, elegeu-se deputado com o nome de Philippe-Egalité, (Filipe Igualdade) e votou, a morte do Rei seu primo. Mais tarde sua cabeça também rolou na guilhotina (mas seu filho Luís Filipe, foi Rei de 1830 a 1848). Nesse ambiente dissoluto, Maria Antonieta, finalmente, ouvindo as pessoas sensatas, entre elas o Rei seu marido, começou a mudar (a morte de sua mãe a Imperatriz Maria Thereza, em 1780, muito a chocou e a fez raciocinar mais nas palavras dela, em suas epístolas, aconselhando-a sempre no caminho do bem, da virtude e da honra). Finalmente, na manhã de 14 de julho de 1789, o Duque de La Rochefoucauld, acordou o Rei para lhe contar que a Fortaleza da Bastilha tinha sido tomada pelo povo. O Rei retrucou – “Então é uma revolta?” O duque - “Não sire, é uma Revolução”. O duque deveria ter se expressado melhor dizendo: “Não sire, é a Revolução”. Em seguida foi a partida forçada da Família Real de Versalhes para o Louvre em Paris. Depois, do Louvre para o “Palais Royal”, que era menor. Finalmente a Família foi presa nas dependências da Assembléia Nacional e posteriormente para a prisão do Templo, onde Maria Antonieta se inclinou diante de seu filho, o Rei sem trono Luís XVII. Depois da morte do Rei Luís XVI, o pequenino Rei não pode ficar mais na companhia de sua mãe, irmã e tia. Passou a ser “educado” pelo sapateiro. A Rainha, olhando por uma ogiva com grades, de sua cela, certo dia, viu, por frações de segundo, passar o filho de um prédio para outro. A partir daí, ela ficava o dia inteiro, nessa ogiva, trepada em um banco, pois a abertura era alta, para ver o filho passar, naquela fração de segundo, por dia. Afinal foi conduzida para a prisão onde deveria assistir a seu julgamento. Chamavam-na de mulher de Luís Capeto (Capeto era o nome primitivo dado ao primeiro Rei da 3ª dinastia dos Reis de França, Capetíngios diretos, Valois e Bourbons, que teve esse nome por causa de seu primeiro Rei Hugo Capet, século X que usava uma pequena capa. Usavam o nome Capet para não terem que pronunciar em julgamento o prestigioso nome Bourbon, que reinava em quatro monarquias da Europa.
Acredito que nunca uma mulher foi tão ultrajada e humilhada, na História, quanto foi Maria Antonieta, por ocasião de seu julgamento. As novas idéias exigiam que houvesse um julgamento, pois a “Revolução era o Império da Lei”. O Rei também tinha sido julgado e depois do Rei e da Rainha os membros da Família Real, da nobreza e do clero, que não tinham conseguido emigrar. Mas nunca, nenhum deles, naquele “Império da Lei”, foi absolvido. Depois os revolucionários passaram a se acusar uns aos outros, e todos também eram condenados e guilhotinados. Nos regos de Paris corria sangue em lugar de água.
Durante o julgamento de Maria Antonieta, as mais revoltosas e asquerosas mentiras e calúnias foram pronunciadas contra ela. Ela, em seu banco de ré, com a coluna vertebral sempre reta, a cabeça branca, vestida com uma camisola de tecido ordinário, a face séria e distante, a cabeça erguida e olhando o infinito, era a própria expressão da Dignidade e da Majestade. Nos intervalos dos julgamentos infindáveis, ela, em sua cela, só rezava e pouco dormia e comia. O resultado foi seu enfraquecimento gradual. Caminhando titubeante, da cela para a sala de sessões do julgamento, tropeçou em um pequeno degrau. O soldado que estava em posição de sentido, guardando a porta, instintivamente, amparou-a, segurando seu cotovelo, como faria a qualquer pessoa. No dia seguinte esse soldado foi guilhotinado, acusado de reacionário, por ter procurado evitar o tombo da infame austríaca, da viúva de Luís Capeto.
Ela suportou tudo, sempre calada. Não dirigia a palavra nem a seu advogado de defesa, com medo de criar contra ele uma situação, que também o conduzisse à guilhotina.
Suportou tudo. Menos quando levaram ao plenário seu filho (o pequeno Rei Luís XVII, que nem sabia que era Rei) Luís, e fizeram-no acusar a mãe de prostituta, que tirara sua inocência, fazendo sexo com ela. Tudo era suportável, menos isso! Ela pôs-se de pé, e, em alta voz, que impressionou a assistência, pronunciou: “Diante de tal horror a que me acusam, apelo para todas as mães aqui presentes, para declararem se isso é possível! Foi uma algazarra! As mães, de pé, protestaram e, pela primeira vez, defenderam Maria Antonieta. Tal foi à imprudência do Promotor, que logo precisou mudar a orientação da acusação.
Finalmente veio a sentença: guilhotina! Sentada na banqueta da carroça que a conduzia para a morte, sempre com a mesma dignidade e majestade, passou pelas ruas de Paris, empilhadas de gente, que no princípio repetia os mesmos berros de acusação. Mas, na medida que ela passava, na carroça puxada por burros, e cercada de soldados militares, o povo foi se calando, até acontecer um silêncio impressionante. Algumas mulheres puseram-se até de joelhos, por perceberam que se tratava de uma santa sendo conduzida ao martírio.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

D.PEDRO II, CAXIAS E ZACARIAS

D. PEDRO II, CAXIAS E ZACARIAS
(A grande vantagem da existência do Poder Moderador)

• Trabalho publicado no jornal Tribuna de Petrópolis,de propriedade de D. Francisco Humberto de Orleans e Bragança - 30/07/2000 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Quando lecionamos a disciplina "Realidade Social Brasileira" um dos assuntos que abordamos intitula-se "Poder Nacional e Política Nacional". Não querendo desvirtuar esse artigo em uma aula de RSB, passamos "au vol d'oiseau" sobre conceitos básicos, indispensáveis para que o assunto se torne claro.
Poder Nacional, como diz a palavra, é o poder da nação. Esta, quando já possui, bem desenvolvidos, seus elementos básicos, quais: a população, o território e as instituições, e, quando, entre estas, cresce a instituição política, conseguindo a autodeterminação da nação, podemos afirmar o surgimento de um Estado Soberano. Por isso o poder do Estado chama-se Poder Nacional. Origina-se da Nação. O Estado não é senão um mero instrumento nas mãos da nação, para que esta passe a se governar, ter leis, ordem, desenvolvimento. Enfim tudo, que é necessário para alcançar o "Bonum Comune" ou "bem estar social", que, afinal de contas, é a própria finalidade da existência do Estado. Por isso, o Estado existe para servir à nação e não o contrário, como apregoavam e apregoam os estados totalitários (de direita ou de esquerda). Nesta tarefa de atingir o bem estar social, o Estado se utiliza da Lei, da Força e da Política Nacional. Esta última não deve ser confundida com politicagem. Ela é uma ciência. Constitue-se em um processo determinado pelo Estado, para atingir o bem comum. Entretanto, no dinamismo deste processo, muitas vezes surgem obstáculos, que impedem ou prejudicam alcançar o alvo da política nacional, qual seja o bem estar da nação.
A ciência política distingue três tipos de obstáculos: 1 - "Fatores adversos"; 2 - "Antagonismos" e 3 - "Pressões". O 1º - Fatores adversos se relacionam com todas as deficiências humanas ou problemas da natureza que a política nacional deva enfrentar ( Exemplo: Corrupção de políticos, inflação, leis desatualizadas; cataclismas, como nevascas, , terremotos, epidemias, etc...); O nº 3 - Chamado "pressões": não passam de "antagonismos" que se valem da violência ( exemplo: terrorismo). Mas, se pulamos o nº 02 - "antagonismos", foi propositalmente, porque é sobre ele que queremos desenvolver estas linhas, para chegarmos a um interessante episódio, durante a guerra contra o Paraguai, cujos personagens principais foram o próprio Imperador, o então Marquês de Caxias, Luiz Alves de Lima e Silva e o político Zacarias de Goes e Vasconcellos, e onde se evidencia, de maneira insofismável, a enorme utilidade do Poder Moderador de um Chefe de Estado, que não é Chefe de Governo, no processamento de uma política nacional autêntica.
O antagonismo seria uma oposição mal entendida. Todo governo democrático, para caracterizar bem seu aspecto de demos = povo, kratos = governo, deve conceder liberdades às opiniões contrárias, o que faz nascer, como é natural, a oposição. Assim, o governo é a situação e seus oponentes constituem a oposição. Entretanto a finalidade de uns e outros é a mesma, pois pertencem à mesma nação: é o "bem comum" . Os processos para se atingir este bem comum é que podem variar por opiniões diferentes, da situação ou da oposição. Acontece entretanto que, muitas vezes, a oposição não entende assim, e, torna-se um obstáculo à política nacional, pois sempre manifesta-se contra a situação, esteja esta agindo bem ou mal. Quando isto acontece a oposição, perde sua característica democrática e transforma-se em "antagonismo". Caracteriza-se o obstáculo nº 2 à política nacional: "o antagonismo".
Assim, vamos aplicar estas idéias aos fatos: quando fomos agredidos por Solano Lopez, ditador do Paraguai, em nossa Monarquia parlamentarista, reinava como Chefe de Estado, como sabemos, o maior dos brasileiros, D. Pedro II. O Chefe do Governo era entretanto o Senador Furtado, com o posto de Presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), que pertencia ao Partido Liberal, pois tal partido vencera nas urnas e constituia-se majoritário no Parlamento. O Partido Liberal manteve-se no poder durante toda a Guerra do Paraguai, mas, às vezes, havia mudanças de governo. Foi assim que, ao iniciar-se a guerra, o Senador Furtado passou a chefia do governo a outro liberal, o Marquês de Olinda ( Pedro de Araújo Lima, que fora regente na minoridade de D. Pedro II). O novo Presidente do Conselho de Ministros ao organizar seu gabinete, nomeia para a pasta da Guerra, o General Angelo Ferraz (futuro Barão de Uruguaiana - inimigo político e pessoal de Caxias).
O mais importante chefe militar brasileiro era incontestavelmente o General Luiz Alves de Lima e Silva, Barão, Conde e Marquês de Caxias (futuro Duque de Caxias), mas que pertencia ao Partido Conservador. Na rendição de Uruguaiana onde D. Pedro II, acompanhado de seus dois genros o Conde d'Eu e o Duque de Saxe, estivera presente para assistir aquele episódio que, na época, foi considerado o fim da guerra (grande número de Tropas Paraguaias rendeu-se ao Exército Brasileiro, no mesmo ano do início da guerra - 1865), o General Marquês de Caxias também acompanhou o Imperador como mero assistente, pois o governo liberal não quis nomeá-lo para nenhum comando. Este fato pode ser analisado, em Ciência Política, segundo o que antes explicávamos, como um "antagonismo". Um obstáculo à Política Nacional que, naquele momento, tinha como meta principal do "bem comum", ganhar a guerra. Como ganhar a guerra, se o maior guerreiro brasileiro estava participando como mero assistente? O General Ferraz, ministro da guerra organizara dois grandes corpos de tropas, um sob o comando de Osório (futuro Marquês do Herval) e outro sob o comando do Conde de Porto Alegre, ambos do Partido Liberal. Grandes generais, sem dúvida alguma, mas que não chegavam aos pés da estatura de Caxias.
Por um tratado diplomático, tinha sido determinado que naquela fase da guerra, o comando em chefe coubesse ao Presidente Argentino (General Bartolomeu Mitre). Havia a Tríplice Aliança de Brasil, Argentina e Uruguai, contra o Paraguai, pois os três países tinham sido igualmente agredidos pelo ditador paraguaio. Consequentemente os dois Exércitos Brasileiros, de Osório e Porto Alegre, deviam obediência a Mitre. Entretanto para evitar melindres o Presidente General Mitre só comandava suas próprias tropas, assim como o presidente-general Flores só comandava as tropas uruguaias. O que acontecia portanto era o fato completamente paradoxal, de quatro exércitos (Mitre, Flores, Osório e Porto Alegre) combatendo os Paraguaios, sem um comando unificador que os conduzisse à uma certeira estratégia militar. Apesar de algumas vitórias, entre elas a rendição de Uruguaiana, o resultado desta desunião foi a derrota das nossas tropas aliadas em Curupaití. A grande vitória paraguaia trouxe desânimo total entre brasileiros, uruguaios e argentinos. Talvez a única pessoa que não tenha entrado em desânimo, tenha sido o nosso Imperador D. Pedro II.
Compreendeu o Imperador que a derrota dera-se em função da falta de unidade estratégica entre os quatro exércitos. Os corpos brasileiros estavam independentes porque nem Osório mandava em Porto Alegre, nem vice-versa. O Presidente Mitre da Argentina não ousava exercer o seu comando em chefe, unindo brasileiros, argentinos e uruguaios. Muito menos o General Flores, Presidente uruguaio. Daí a desunião e portanto a derrota. O que estava faltando? Um verdadeiro líder militar que unisse os brasileiros, que eram a maioria (no princípio da guerra 22.000 homens), os argentinos (12.000 homens) e os uruguaios (2.000 homens), contra os 80.000 homens do exército de Solano Lopez. Este homem não existia? Claro que sim! Mas estava sendo impedido de assumir o seu papel histórico por um "antagonismo" à política nacional: o governo pertencia ao Partido Liberal e o Marquês de Caxias ao Partido Conservador. Era preciso muito altruísmo e patriotismo para um governo liberal nomear um General Conservador em um momento tão grave e importante da história pátria. Se o governo fosse republicano, não haveria nunca esta possibilidade, pois no sistema presidencialista, o presidente, sendo ao mesmo tempo chefe de estado e de governo e possuindo um partido, não haveria a menor probabilidade de nomear um general da oposição, mesmo em se tratando da salvação nacional.
Se a república fosse parlamentarista, a situação poderia apresentar-se menos catastrófica, mas, igualmente péssima, pois o presidente parlamentarista não ousaria contrariar a determinação do 1º Ministro, mesmo tendo em vista a segurança nacional. Mas, graças a Deus, o Brasil era uma Monarquia. E mesmo sendo parlamentarista, e mesmo o Presidente do Conselho de Ministros sendo do Partido Liberal, a nomeação de um General do Partido Conservador, foi possível graças àquele que representava toda a Nação e o Estado, aquele que era supra-partidário, aquele que via, antes de tudo, o bem estar da Nação, aquele que era a própria encarnação do Brasil, graças à sua posição de Chefe de Estado monárquico, detentor de um poder fiscalizador aos outros três poderes, o Poder Moderador, aquele que era o Imperador do Brasil.
D. Pedro II, depois da derrota de Curupaití, compreendeu que a nomeação de Caxias era interesse e objetivo nacional, pairava acima das paixões políticas ou rusgas individuais.
Por este tempo, já não era mais Olinda o presidente do Conselho de Ministros e sim Zacarias de Góes e Vasconcellos, outro Liberal, outro inimigo de Caxias e que conservara Angelo Ferraz na pasta da Guerra. A situação política tornara-se portanto ainda mais dificultosa em função da participação de Caxias na guerra. De repente, um espanto geral: Zacarias, convoca o ministério e propõe a nomeação do Marquês de Caxias para o comando em chefe das operações de guerra no Paraguai. Os ministros, sentindo que se tratava de uma verdadeira aspiração nacional, concordam, menos o Ministro da Guerra, o General Angelo Ferraz, que se demite. O parlamento aprova, Caxias é nomeado. O espanto era grande!! Mas compreendia-se, dizia-se à boca pequena: "Foi o homem de S. Cristovão!". De fato, o que se passara? O Imperador convocara Zacarias a uma audiência no Paço de S. Cristovão e lá apelara para o patriotismo e senso do dever do grande político Zacarias. Por um momento Zacarias ainda hesitara, mas o Imperador fez-lhe ver que não se tratava de liberais, ou conservadores. Estava em jogo o Brasil, a vitória indispensável de nossas tropas para a honra nacional e para livrar nosso Império de uma vizinhança perniciosa e perigosa representada por Solano Lopez. Zacarias acedeu, o parlamento aprovou. Caxias foi nomeado. A sorte da guerra mudou: sucederam-se as vitórias brasileiras, até a tomada de Assunção!
Isto foi possível não só pela forma monárquica de governo, apresentando um Imperador acima de todos os partidos e facções, que visava somente o bem estar do Brasil, mas também porque a forma monárquica esculpia políticos, militares e homens públicos desta envergadura, aliando virtudes como a humildade e patriotismo de Zacarias à genialidade militar de Caxias e à grandeza de um verdadeiro Chefe de Estado, D. Pedro II.
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O QUE SE CONTA E O QUE NÃO SE CONTA SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

O QUE SE CONTA E O QUE NÃO SE CONTA SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL(De Petrópolis, o Imperador desceu para deparar-se com uma traição)

• Trabalho publicado no jornal Tribuna de Petrópolis,de propriedade de D. Francisco Humberto de Orleans e Bragança - 15/10/2000 •


Otto de Alencar de Sá-Pereira


A origem da palavra História vem de "histor", vocábulo grego, que significa "o que se sabe porque se viu". As fontes históricas entretanto evoluíram.
Elas não são só o resultado do que se viu, mas também do que se contou fidedignamente (tradição oral - importantíssima nos tempos antigos), do que se encontrou em matéria de documentos escritos e do que se observou em "documenta monumenta", onde salientam-se como ciências auxiliares da História, a Arqueologia, a Antropologia, a Etnologia, a Museologia, a Paleografia, a Bibliografia, a Genealogia, a Numismática, a Heráldica, etc...
A História deixou de ser só "a narrativa literária de fatos passados", mas, sem perder sua característica de arte, adquiriu também seu aspecto científico, onde se encontram causas e conseqüências do "fato histórico", sob o aspecto religioso, sob o aspecto político, o econômico, o sociológico, o cultural, etc...
Entretanto, a narrativa fidedigna, literária do fato histórico, dela não se pode prescindir. É a partir dela, da narrativa do fato histórico, que tudo se faz. Às vezes ela até se explica sozinha, pois suas causas estão implícitas e óbvias.
Causas, interpretações, doutrinas, conseqüências, teses... do que? Do fato histórico. Conseqüentemente a narrativa "tout court" é essencial.
No caso presente, da Proclamação da República no Brasil, a narrativa dos acontecimentos do 15 de Novembro de 1889, ao nosso ver, são por si só, tão eloqüentes, que toda a historiografia passada republicana quase que se desvanece. Há aqueles que procuram concatenar manifestações rebeldes contra a Coroa Portuguesa no período colonial, com o surgimento de idéias alienígenas vindas especialmente dos iluministas e enciclopedistas franceses do século XVIII (inconfidentes), com a revolução de 1817, com a de 1824, com a Balaiada, com a Cabanagem, com a Sabinada, com as revoluções liberais, estas últimas na minoridade de D. Pedro II e finalmente com a pequena tropa que cercou o Palácio do Governo, comandada por Deodoro no 15 de Novembro (que não proclamou a República) ou com o verdadeiro ato de Instauração Republicana, motivado pelos ciúmes e ódios de Deodoro (decreto nº 01 da República). Estes fatos nada tiveram a ver uns com os outros. Não havia concatenação. Não existiu um movimento republicano lentamente elaborado no Brasil, que tivesse atingido o seu ponto de saturação no dia 15 de Novembro. Deodoro, provavelmente nunca ouvira falar de Beckman, nem mesmo corretamente da inconfidência mineira e se conhecia algo sobre as revoluções aludidas acima contra a Coroa, fosse a portuguesa ou a brasileira, conhecia-as como estudante de História Militar (revoltas sufocadas pelas forças das armas). Que tenha havido alguns poucos republicanos autênticos, que procuraram, ao fazer a História do Brasil, ligar estes acontecimentos, com um dinamismo próprio do ideário republicano na nossa pátria, uma verdadeira evolução da idéia republicana, certamente existiram tais idealistas, mas foram, na realidade, românticos que não desceram das nuvens à terra. "Os inconfidentes, por exemplo, tinham, pouco apoio popular. Nem, conheciam fatos passados que, emergissem no Brasil como idéias republicanas. Além disto havia vários inconfidentes que eram monarquistas, desejavam a independência de Minas Gerais na forma monárquica de governo. Mas... não havia Príncipes brasileiros. Assim, o que fazer?
Os revoltosos de 1817 em Pernambuco, assim como os de 1824 eram movidos muito mais por nacionalismo do que por republicanismo (os de 1824 consideravam D. Pedro I mais português do que brasileiro, o que é uma injustiça).
O certo é que nunca houve no Brasil um processo histórico nacional republicano, que se originasse ainda nos tempos coloniais, passasse pelo Reino Unido e atingisse o Império.
Não se pode negar, evidentemente, que a partir de 1870, com a fundação, em Itu, do Partido Republicano, o seu ideário não tenha sido regado, não tenha crescido, não tenha dado seus frutos. Entretanto esses frutos eram tão insignificantes, menores do que jabuticabas, que, como é sabido, os republicanos nunca conseguiram eleger mais de dois ou três deputados em cada legislatura, mesmo possuindo o partido, diretórios em todas as províncias e municípios brasileiros. Estamos defendendo o ponto de vista de que os acontecimentos do 15 de Novembro de 1889 foram mais importantes para o advento da República, do que tudo o que se tinha feito antes, simplesmente porque o que se tinha feito antes, pela República, foi nada ou quase nada. Pelo menos, da parte dos republicanos. Porque se algo foi feito pela República, antes do 15 de Novembro, seus autores foram os monarquistas e não os republicanos e portanto não houve ação, antes omissão e traição daqueles, que tinham como obrigação defender o Trono e não o fizeram, movidos por interesses econômicos feridos pela Lei Áurea - Estes Barões do Império foram muito mais culpados do que qualquer Benjamin Constant, Silva Jardim, Quintino Bocaiúva ou Aristides Lobo. Estes, chamados de republicanos históricos, perceberam que a guerra contra o Paraguai e o Abolicionismo, tinham gerado duas situações a eles favoráveis:
1) Os militares galardoados com títulos e comendas, durante o conflito platino, se sentiam importantes e conseqüentemente passaram a desejar participar na Política Imperial, o que contrariava a índole do Imperador e dos políticos que preferiam que cada classe "cumprisse o seu dever" e exercesse as suas funções precípuas: Os Militares, para a defesa da Pátria, do Imperador, da ordem pública e da Constituição, a Lei Magna. O Monarca, os Gabinetes de Ministros (civis) e o Parlamento para governarem a Nação. Conseqüentemente os militares, como é óbvio, deviam obediência ao governo. Entretanto, não era isto que estava se verificando. Os militares não só se imiscuíam na Política, queriam dela participar e muitas das vezes, desobedeciam, abertamente, ao governo, não ao Imperador... mas ao governo, sim!
2) O abolicionsimo, cada vez mais defendido pela Família Imperial e de modo especial pela Princesa Imperial D. Isabel fazia nascer um mal estar entre a Coroa e a Aristocracia Rural, como já dissemos, por uma falta de sentimento cristão e de fidelidade ao Trono, daqueles senhores que só viam em seus escravos, fonte de lucros econômicos.
Em face a estas duas situações, qual seria a estratégia do punhado de "republicanos históricos"? Já tinham constatado, pelos resultados das eleições parlamentares, a ineficácia do regime democrático para a vitória republicana. A República teria que ser imposta pela força. Naturalmente pela força militar, daí a adoção à doutrina positivista. Por isso os republicanos viviam a pôr lenha na fogueira dos atritos entre militares e governantes civis (gabinetes de Ministro), contando assim conseguir a adesão dos militares à causa republicana, como explicamos no item 1 acima. Sabedores da felonia de grande parte da aristocracia rural em relação ao Trono (explicada no item 2 acima), era só espicaçar o exército contra a Coroa, que esta não seria defendida pelos seus naturais defensores, a nobreza rural, já que o povo nada podia fazer. Por esta razão, os acontecimentos do dia 15 de Novembro de 1889 assumem uma dimensão especial no advento da República, pois a tal questão militar, como veremos, fracassara, e a questão escravocrata, se não fossem os acontecimentos do 15 de Novembro, acabaria se diluindo, pela acomodação da aristocracia rural, ao fato de não possuir mais escravos. A questão militar só conseguirá derrubar um Gabinete de Ministros e não a Monarquia, como passamos a ver: Havia, sem duvida, uma indisposição entre os militares (principalmente os do Exército) e os governantes civis do Império. No dia 15, um grupo de republicanos procurou o Marechal Deodoro da Fonseca, em sua casa, onde acamado, se curava de diversas enfermidades dolorosas. Os republicanos pediram ao velho Marechal que se levantasse, se fardasse e montasse a cavalo, para comandar uma tropa, que cercasse o Palácio em que se reunia, na ocasião, o Gabinete de Ministros, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, e o derrubasse do poder, pois, diziam eles, este governo estava ferindo seriamente o brio dos militares. Deodoro podia não ser republicano, mas era mais militar do que monarquista. Jamais se oporia ao Imperador, a quem devia muito, mas aos "casacas", como ele chamava aos políticos civis, era uma outra coisa. Os militares encontravam-se ressentidos com atitudes autoritárias dos Gabinetes de Ministros? Urgia então fazer alguma coisa. Aceitou comandar a pequena tropa (os soldados por ele comandados e os poucos populares, que assistiram à pantomima, pensaram tratar-se de uma parada militar), cercou o Palácio, adentrou pessoalmente, teve um agressivo bate boca com o Presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, considerou-o demitido e preso, pela força das armas. Ao descer pela escadaria do palácio e novamente montado a cavalo e reassumindo o comando, teve entretanto, um gesto, que bem esclarece que a chamada questão militar não derrubaria o Trono. À frente da tropa e obedecendo ao cerimonial militar de saudação ao Chefe de Estado, com o quepe erguido pela mão direita acima da cabeça deu um "viva ao Imperador". A questão militar derrubara inconstitucionalmente o governo, mas não a Monarquia. O Visconde de Ouro Preto, mesmo preso, teve autorização de telegrafar ao Imperador, que se encontrava em Petrópolis, pedindo sua descida ao Rio, a fim de reorganizar o Governo Imperial Parlamentar, já que o Brasil não podia ficar acéfalo. Isto também nos esclarece que, da parte da maioria dos militares, que Deodoro bem representava, não havia a menor intenção de proclamar nenhuma República. Aliás dias antes o Marechal escrevera a um sobrinho, na Bahia, dizendo: "No Brasil, república é sinônimo de desgraça completa". Portanto, contrariando os historiadores que armam uma rede conectada de idéias e de homens, desde Beckman, ao decreto nº 1 da República de 15 de Novembro de 1889, passando pelas conspirações mineiras e baiana do século XVIII, às revoltas de 1817 e 1824, à Cabanagem, à Balaiada, à revolução Sabina da Bahia, às revoltas liberais de Minas e São Paulo, à Guerra dos Farrapos na minoridade de D. Pedro II, e finalmente à derrubada do gabinete Ouro Preto, se formos estudar cada uma dessas manifestações de revolta, observaremos que: 1) Cada uma delas se explica por causas próprias, contemporâneas; 2) Que portanto não estão interligadas por uma mesma linha de pensamento que aos poucos teria evoluído; 3) Na realidade, elas todas foram absolutamente insignificantes, quase merecedoras de não serem mencionadas na História, talvez com a única exceção da "Guerra dos Farrapos", que além de sua longa duração, constitui uma verdadeira guerra internacional, do Império do Brasil contra potências do Prata, que já naquela época (bem antes das intervenções brasileiras contra Oribe, Rosas, Aguirre e Solano Lopes) pretendiam incorporar o Sul do Brasil a elas (velho sonho do Império Platino) uma vez que os Bentos Ribeiros, estavam, consciente ou inconscientemente traindo o Brasil ao servir aos interesses platinos. 4) Que elas só se destacam na História do Brasil pela vontade de historiadores republicanos, que foram descobrir no fundo do baú da História brasileira, estas quarteladas com as intenções cínicas de desejarem divorciar o brasileiro de uma de suas tradições mais orgânicas, naturais e autênticas que foi a Monarquia, tanto a portuguesa, quanto a brasileira.
Assim, voltando aos fatos históricos do dia 15 de Novembro de 1889, únicos que realmente foram importantes para a instauração da República, dizíamos que Ouro Preto, mesmo preso, solicitou a presença do Imperador, que, de Petrópolis desceu calmamente para jogar água fria na fervura militar. O Brasil não podia ficar sem governo, isto era o mais importante. D. Pedro II, seguindo as normas parlamentaristas, reuniu-se com os políticos do partido majoritário, com a intenção de constituir um novo Governo. O que viria a fazer com Deodoro que agira fora da lei, ficava para depois. No momento, o importante, era formar um Governo. Durante a reunião os deputados do Partido Majoritário sugeriram o nome de Gaspar da Silveira Martins. Este nome, entretanto, logo foi alijado, pois o político gaúcho viajara ao sul, para contatos com suas bases eleitorais. Por acaso, na sala de reuniões, provavelmente como oficial ajudante, encontrava-se o Major Sólon Ribeiro; este, autêntico republicano. Conhecedor que era de rusga seríssima que havia entre Deodoro e Silveira Martins, teve ele uma idéia, que, no seu parecer, no que estava absolutamente correto, seria a mola propulsora da Proclamação da República.
Quando Deodoro exercera o Comando Militar do Rio Grande do Sul, Silveira Martins ocupara a Presidência da Província. Tornaram-se inimigos acérrimos, não só do ponto de vista político, mas principalmente no âmbito doméstico. Embora ambos fossem casados, nas horas vagas dispunham dos favores de uma mesma dama viúva. E, tudo indica... que ela dava preferência ao Silveira Martins.
Isto tudo rodopiou na cabeça do malévolo Major Sólon, que pedindo licença ao Imperador, retirou-se da sala e partiu a galope, com sua calúnia venenosa que definia-se em dois boatos maquiavélicos: 1) Que o Imperador nomeara Presidente do Conselho de Ministros ao Gaspar da Silveira Martins; 2) Que dera ordem de prisão ao Marechal Deodoro da Fonseca.
Em sua casa, o velho Marechal recusara-se a assinar, peremptoriamente, ao decreto de Proclamação da República que uma dezena de republicanos já tinha redigido. Estes, não se conformando da "questão militar" não ter resultado na queda da Monarquia, não largavam a sombra do Deodoro, não saíam de sua casa, como que esperando um milagre, que mudasse a situação. O que veio a acontecer, não foi o milagre esperado, mas sim, um artifício ardiloso daquele que é o rei da mentira, e que pontifica no fogo eterno, que usou como seu instrumento o boateiro Major Sólon Ribeiro. Quando ele chegou à casa de Deodoro e transmitiu ao velho homem alquebrado pelas doenças, a noticia caluniadora e falsa, o militar derrotado pela vida, enfureceu-se e julgando que o Imperador fazia aquilo diretamente para feri-lo, destemperou em um grito aos líderes republicanos: "Dêem-me este papel" e assinou-o. Estava proclamada a República no Brasil. Quando a notícia verdadeira chegou, ele só pode dizer: "Tarde demais". Para ele foi "tarde demais". Para os brasileiros foi o entardecer da Pátria.
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QUEM NUNCA COMEU MELADO, QUANDO COME SE LAMBUZA

QUEM NUNCA COMEU MELADO, QUANDO COME SE LAMBUZA
(Narrando um triste, porém típico, acontecimento do princípio da República, e considerações de Rui Barbosae de Monteiro Lobato sobre D. Pedro II, a Monarquia e a República)

• Trabalho publicado no jornal Tribuna de Petrópolis,de propriedade de D. Francisco Humberto de Orleans e Bragança - 29/10/2000 •
Otto de Alencar de Sá-Pereira

Nada mais certo! Foi o que ocorreu com os governantes republicanos, depois que o navio Alagoas conduzindo D. Pedro II e a Família Imperial perdeu-se nas brumas do Atlântico, em direção à Europa. Diz Monteiro Lobato que eles teriam tido um alívio: "enfim sós". Agora podem espoliar, à vontade, o povo brasileiro, sem que ninguém os fiscalize!
O caderninho preto e o lápis fatídico, que anotavam os nomes daqueles, que por atitudes indignas, não deveriam mais pertencer a cargos de governo, este caderninho também seguira para a Europa no bolso do Imperador. Podiam se lambuzar com o melado da corrupção e do estelionato, das riquezas fáceis e ilícitas, sem que houvesse alguém a chamar-lhes a atenção.
Monteiro Lobato nos escreve: "D. Pedro II era a luz do baile, muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias d'arte sobre os consoles, dando ao conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social. Extingue-se a luz.As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias".
Ou seja, sem o freio natural da Coroa, eles mostram-se como eram realmente.
Lambuzam-se no melado sujo de lama. Escarafuncham-se no atoleiro, sem tábua de salvação. Perdem-se nos mares, sem o farol que os guiava; que os guiava e corrigia seus rumos; que corrigia seus rumos e os conduzia a porto seguro.
Rui Barbosa, o "águia de Haya", que foi republicano durante o Império e monarquista ou simpatizante, depois dos primeiros desacertos e corrupções da República, certa vez, escreveu estas palavras, que tornaram-se acadêmicas (as quais, geralmente, só são publicadas até o fim do primeiro parágrafo):
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade" (Observação: Os parênteses são nossos para melhor ilustrar).
Rui Barbosa ocupava o cargo de Ministro da Fazenda no Ministério do Governo Provisório (1889-1891), presidido por Deodoro da Fonseca. Este Ministério compunha-se de republicanos históricos, como, por exemplo, além dele mesmo, de Silveira Lobo como Ministro do Interior, de Campos Sales como Ministro da Justiça, Quintino Bocaiúva ocupando o Ministério do Exterior, Demétrio Ribeiro, na Agricultura e Comércio, Wandenkolk, na Marinha e Benjamim Constant na Guerra (Exército).
Rui Barbosa era, sem dúvida, grande jurista e diplomata, um sábio, um extraordinário orador... porém, péssimo economista. Assim, foi o causador do famoso "Encilhamento", que trouxe a desmoralização das finanças brasileiras e uma terrível inflação.
Qualquer Banco emitia papel moeda, e títulos falsos de falsas empresas eram vendidos em quantidade incrível, no lugar onde se encilhavam os cavalos, no centro do Rio de Janeiro.
Criticado por Benjamim Constant, em uma reunião do Ministério, os dois políticos quase se assassinaram, tendo Benjamim Constant desembainhado a espada e Rui sacado da garrucha. Não chegou a haver uma tragédia, porque o velho Marechal-Presidente, dando um murro na mesa, esbravejou: "Se os senhores não se portarem, chamo o velho de volta!!!" (Referia-se naturalmente ao Imperador).
Assim foi o princípio da República. Desencontros, movidos por ambições descabidas, não mais fiscalizadas pelo Pai Supremo da Nação, o Imperador. Não estavam habituados a governarem sem serem antes governados. Foi um descalabro! Como escreveu Monteiro Lobato: "A mesma gente, o mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário, até 15 de Novembro honesto bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana".
A moral pública uma das características dos homens políticos do Império, como que se diluía. Ainda é Rui que nos faz saber: "O Parlamento do Império era uma escola de estadistas, o Congresso da República transformou-se em uma praça de negócios."
Um fato deve ser conhecido, embora prefiramos não dar "nomes aos bois", pois o político em questão pode ter descendentes ainda vivos.
A República proclamada, passados os dois anos de Governo Provisório, finalmente elabora-se a 1ª Constituição Republicana, de 1891 e é eleito Presidente o mesmo Marechal Deodoro e para Vice, Floriano Peixoto. Um certo político do Império, homem conhecido na vida pública por sua incontestável retidão de caráter e ilibada moral, é convidada pelo Governo da República a participar de um Ministério.
Considerando-se monarquista, recusa o convite. O Governo insiste. Ele resolve pedir a opinião e a autorização, caso a opinião fosse positiva, do Imperador, que nesta altura já se encontrava na França, pois fora para lá residir com sua filha, genro e netos, depois da morte da Imperatriz, em Portugal (na cidade do Porto).
A resposta do Imperador foi simples e como sempre patriótica: "Sirva ao Brasil". Era o sinal verde. Ele aceitou o Ministério e iniciou a viver o cotidiano da vida política republicana. Eis que começa a perceber o que ocorria. Se olhasse para um lado, ou para o outro; se olhasse para cima ou para baixo, só o que via era desonestidade, era corrupção, eram aproveitamentos ilícitos, o bem público vilipendiado, os interesses particulares em primeiro lugar, o "Bonum Comune", completamente esquecido, o lambuzamento em melado enlameado.
Infelizmente, este homem, que tinha sido, no Império, símbolo de honradez, de caráter, de virtudes... aderiu ao "bloco do samba republicano" e familiarizou-se com os vícios e pecados.
Por que isso aconteceu na República do nosso Brasil, e vem ainda acontecendo, ressalvadas, sem dúvidas, especiais figuras da História Republicana, que continuaram a ilustrar a vida pública brasileira? Por que isso ocorreu? Monteiro Lobato estaria repleto de razão? É ainda Rui, que nos responde: "O mal grandíssimo e irremediável das instituições republicanas é deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado, e desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade".
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O REGICÍDIO


O Regicídio


Otto de Alencar de Sá-Pereira

Tudo o que é de Portugal, interessa ao Brasil. O povo brasileiro foi constituído por três etnias básicas: o branco português, o silvícola, de raça amarela, e o negro africano. As três etnias contribuíram imensamente à nossa formação cultural e racial. Mas, ao nosso ver, a etnia branca portuguesa foi a mais forte. Afinal de contas o Brasil foi trezentos anos uma continuação de Portugal, desde 1500 até 1808 (chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, que proporcionou meios para a nossa independência em 1822). Os brasileiros falam a língua portuguesa do Acre ao Rio Grande do Norte, do Amapá ao Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul. Porque foram portugueses os desbravadores, os colonizadores, os assentadores de civilização, nesse imenso continente que é o nosso Brasil. Foram eles também, que junto com a colonização, trouxeram a cultura européia e principalmente o Cristianismo Católico. Foram eles que, em lugar de se oporem e de combaterem os autóctones (os índios) (como fizeram seus irmãos ibéricos, os espanhóis, no resto das Américas), com eles se misturaram. O primeiro brasileiro autêntico foi o filho nascido de um homem português com uma índia, que chamamos de mameluco. A esse caboclo veio misturar-se etnicamente, logo depois o negro africano, chegado como escravo, que deu no cafuzo. Ou então o mulato, miscigenação do português com a negra africana. Essa foi à fantástica qualidade do colonizador português: a miscigenação racial. Tanto que, podemos afirmar, sem medo de errar, (pois temos como orientador neste estudo, nada mais, nada menos, que Gilberto Freire) que nas famílias antigas brasileiras não existem brancos puros, por mais branca que seja a tez da pele e por mais claros que sejam os olhos do brasileiro ou da brasileira. Brancos e índios = mamelucos. Brancos e negros = Mulatos. Negros e índios = Cafuzos. Mas não ficou assim estagnada a nossa formação étnica, em três grupos de miscigenados. Esses grupos continuaram a fantástica mistura racial, que veio a dar no homem brasileiro: Brancos com mamelucos; brancos com mulatos; brancos com cafuzos. Negros com mulatos; negros com mamelucos; negros com cafuzos. Índios com cafuzos. E assim por diante... Fenômeno raro no mundo inteiro.
E o interessante, psicologicamente, é que todos querem ser brancos, todos falam o português, integram-se magnificamente.
A maioria procura dizer-se branca ainda que tenha pele bem morena ou cabelo pixaim; eles até denominam esse tipo racial de cabelo, de “cabelo ruim!”, tal é a fascinação em ser branco, ou tender a esbranquiçar-se na população brasileira.
Essa tendência seria a de quererem passar-se por portugueses? Não. Não é isso. Querem ser brancos, mas não querem ser portugueses. Entretanto, é justo que se diga, a maioria da população brasileira, de cor branca, negra, de cor morena ou parda, tem sobrenome português, fala português e, não se pode deixar de concordar, tem todo um romantismo apaixonado por tudo que venha de Portugal, mesmo contando “piada de português”. Na piada de português, o português ou é burro ou é ingênuo. Mas é piada, não é a realidade. E o brasileiro sabe disso, porque ou seu sogro é português, ou seu pai, ou seu avô, ou ... seu bisavô, e eles os conhecem ou conheceram ou sabem histórias deles, que lhes mostram uma realidade bem diferente.
Podemos provar isso com uma simples história de família, que justifica o título “regicídio”. Por volta de 1906, 1907 ou 1908 anunciou-se aqui em nossa pátria, uma próxima visita de El Rei D. Carlos I de Portugal ao Brasil, acompanhado da Senhora Rainha D. Amélia (que era nascida de Orleans, Princesa de França) e seus dois filhos, o Príncipe Real D. Luís Philippe e seu irmão o Infante D. Manuel. Nessa época, governavam o Brasil o Presidente Rodrigues Alves (1902-1906) e o Presidente Affonso Penna (1906-1909). Portanto o anúncio da visita do Rei e depois a notícia do regicídio deram-se nos governos do 5º e 6º Presidentes da República. Conseqüentemente a República era ainda muito nova. E o Rei que nos vinha visitar era sobrinho-neto de D. Pedro II (que faleceu em 1891) e primo-sobrinho da Princesa D. Isabel a Redentora, que vivia no exílio da França. E ainda tinha mais, sua mulher, a Rainha D. Amélia, era prima sobrinha do Conde d’Eu (Gastão de Orleans Príncipe de França). Apesar das idéias republicanas ainda estarem um tanto fortes e portanto anti-monáquicas, entre os governantes do Brasil, apesar desse parentesco tão próximo da Família Real Portuguesa com a nossa Família Imperial, deposta e exilada, esse anúncio de visitantes tão ilustres, causou entre os brasileiros e particularmente entre os cariocas, uma alegria quase tão grande, quanto a chegada, um século antes (1808), do Príncipe regente D. João (futuro D. João VI) da Rainha Maria I e de toda a Família Real, fugidos da Europa conturbada por Napoleão.
Um tio bisavô nosso chegou a comprar um enorme palacete, em pleno Rio de Janeiro e decorá-lo com preciosidades luso-brasileiras para vendê-lo ao Governo Brasileiro, para que este tivesse como receber condignamente os Reis de Portugal.
Mas, eis que em 1908, chega ao Brasil, a dramática notícia: “O Regicídio”. O Rei D. Carlos I e seu filho, o Príncipe Real D. Luís Philippe tinham sido barbaramente assassinados.
A Família Real viera, por mar, do Porto para Lisboa. Na chegada ao cais, esperavam-na altas personalidades do governo e muita tropa de cavalaria para fazer a guarda de honra da carruagem aberta, que conduziria o Rei, a Rainha e os dois Príncipes. O Rei dispensa a guarda cavalariana, para melhor ver o povo, e vice-versa, ordenando que só dois oficiais da cavalaria dos dragões, escoltassem a carruagem. O Rei senta-se no banco de honra tendo a Rainha a seu lado, enquanto que o Príncipe Real toma acento à frente do Pai, e o Infante D. Manuel à frente da Mãe. E a carruagem parte no meio das aclamações populares. Ao chegar ao terreiro do Paço, do meio da multidão, surgem dois homens, em extrema rapidez, um armado de pistola e o outro de fuzil. O da pistola, trepa no estribo da carruagem, e, à queima roupa, assassina o Rei D. Carlos. D. Luís Philippe tenta reagir, mas também é assassinado pelo outro anarquista, de longe, com o fuzil. O que matou o Rei pretendia assassinar também D. Manuel, mas a Rainha, com o “bouquet” de flores que recebera à sua chegada, e pondo-se de pé, chafurda, a ponto de ferir o anarquista no rosto desse modo salvando a vida do segundo filho, que só teve o braço ferido. Um escritor e jornalista francês, da época, escreveu” “La Reine se mit debout, et debout elle restera dans l’Histoire” (A Rainha pôs-se de pé, e, de pé ela ficará na História).
Os anarquistas foram chacinados, na hora, pelos cavalarianos e pelo povo. Os corpos do Rei e do Príncipe mortos, foram levados em catres e colocados em esteiras no pátio do Arsenal de Marinha. A carruagem seguia atrás levando a Rainha e seu segundo filho, que tinha o braço ferido e que naquele momento tornara-se o Rei D. Manuel II de Portugal. A Rainha D. Amélia, em prantos velava o corpo do filho morto, quase esquecendo-se do marido e Rei. Quando entra no pátio do Arsenal de Marinha uma carruagem fechada, trazendo a Rainha-Mãe D. Maria Pia de Savoia, (filha de Vittorio Emanuelle II da Itália, viúva do Rei D. Luís I e mãe de D. Carlos). D. Amélia em desespero, corre para os braços da sogra e diz: “ Maman, mataram meu filho”. Respondendo e apontando para D. Carlos, a Rainha-Mãe pronuncia, com altivez e majestade: ”e o meu também”, Amélia”. Esse regicídio teve uma repercussão dolorosa em Portugal, naturalmente, mas também no Brasil, e no mundo inteiro. No Brasil, em particular, o nosso tio bisavô, que apreciava muito o Rei D. Carlos, teve portanto, dois fortes golpes: o primeiro, a perda do amigo, em circunstâncias tão trágicas; e o segundo um golpe financeiro terrível, porque evidentemente o Governo Brasileiro, não se interessou mais em comprar o palacete. O Regicídio aconteceu em 1908. Em 1910 era proclamada a República, obrigando o Rei D. Manuel II e toda a Família Real a retirar-se para a Inglaterra, onde o rei George V, recebeu-os com a maior cortesia.
Podemos estar enganados, no que agora vamos aventar: parece-nos que o Regicídio em Portugal, em 1908, e a República em 1910, causaram mais impacto no povo brasileiro, que a própria Proclamação da República no Brasil, em 1889.
Talvez tenha acontecido que o povo brasileiro, já amargurado com o que lhe acontecera em 1889, chocou-se ainda mais com a república em Portugal, assim como, um filho ferido gravemente, em combate, possa ficar ainda mais atingido, vendo seu pai, logo depois, também ser abatido por um balaço do mesmo inimigo.
É uma prova bem contundente de nossa profunda ligação com Portugal.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

BIOGRAFIA DO AUTOR DO LIVRO DIÁLOGOS MONÁRQUICOS

BIOGRAFIA DO AUTOR DO LIVRO DIÁLOGOS MONÁRQUICOS


OTTO DE ALENCAR SÁ PEREIRA, nasceu em 1932, Rio de Janeiro, como filho único do casal Augusto Neiva de Sá Pereira, advogado, e Ruth de Alencar.
A família paterna de Otto é uma das mais antigas Casas de Portugal. A varonia é de Sá, mas o Pereira lhes é mais honroso, enquanto descendentes dos Condes da Feira, ramo colateral da família do Santo Condestável de Portugal Dom Nun Álvares Pereira, vencedor da Batalha de Aljubarrota (1385). Por linhas femininas, Otto descende, ainda de grandes linhagens aristocráticas da Bahia, do Ceará e do Pará.
Aluno do Colégio Pe. Antonio Vieira, sob a orientação de Dom Thomaz da Câmara e Dr. Décio Werneck, Otto teve ainda em sua juventude a marca do engajamento nas Congregações Marianas, sob a égide do Pe. Francisco Leme Lopes, SJ, de saudosa memória.
Bacharelou-se em Direito em 1958, pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro e, na década de 1960, Otto pode realizar um de seus grandes desejos, ao cursar História na PUC-Rio, onde se licenciou em 1968.
Lecionou em diversas Universidades no Rio de Janeiro e em Petrópolis, desde 1970, na Universidade Católica de Petrópolis –UCP, onde ainda se encontra.
Em 1970, outro fato lhe marcou sobremaneira a vida ativa: a entrada para a Assessoria do então Chefe da Casa Imperial do Brasil, S.A.I.R. o Príncipe Senhor D. Pedro Henrique.
Na UCP, lecionou Estudos de Problemas Brasileiros, História do Brasil, Antiga e Medieval. Foi responsável por Fundamentos de Ciências Sociais e Realidade Social Brasileira, Cultura Brasileira, etc...
É sócio do Colégio Brasileiro de Genealogia (CBG) e em 2002, foi homenageado com o título de Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói.
Tem dezenas de artigos publicados em jornais e revistas de todo país, sempre versando sobre temas monárquicos de relevância histórica.
Fundou, em 1988 – e foi sucessivamente reeleito seu Presidente – o Círculo Monárquico D. Luiz o Príncipe Perfeito, cuja sede oficial era sua residência, no Rio. Após algumas graves conturbações internas e externas do Círculo Monárquico, Otto renunciou à presidência em caráter irrevogável, em dezembro de 2001.
Atualmente, é o Decano do Conselho Consultivo do Instituto D. Isabel I (IDII).


Telefones p/contatos:
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21- 91510430
24 - 22484619
RESENHA DO LIVRO DIÁLOGOS MONÁRQUICOS


O Livro Diálogos Monárquicos é a conversa de um avô professoral com seu neto estudante.

Com este livro, Professor Otto homenageia todos os seus alunos, sintetizados na figura de Joãozinho, assim como enaltece a figura dos avós de antigamente, ouvidos, respeitados e consultados por seus netos.

Dr. Ricardo, fidalgo brasileiro tipificado pelo autor, é um gentilíssimo senhor que auxilia o neto querido nas atribuições escolares e se preocupa vivamente com a formação do caráter de seus descendentes. As trocas geracionais marcam toda a obra e, ainda que não haja conflitos claros, sobram exemplos de uma ternura familiar que deve ser almejada por todos.

O livro é uma aula de História do principio ao fim, revelando inúmeras passagens de nossa construção identitária nacional e das construções de outros povos onde o papel da Monarquia não pode, sob hipótese alguma, ser menosprezado.