sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

PADRE AGUIAR

Otto de Alencar Sá Pereira



Estávamos nós em intervalo de aulas, no edifício da Barão do Amazonas, um dos dois maiores prédios da nossa Universidade Católica de Petrópolis, onde funcionava e funciona a Faculdade de Engenharia, quando ouvimos uma algazarra, acompanhada de risadas, de gritaria e passos de corrida. Subimos rapidamente a escadaria principal para verificarmos o que se passava. Parecia-nos um furacão humano, uma revolução, um circo, enfim algo de estranho e cômico. O que vimos ao atingirmos o 2º andar? Uma rapaziada correndo e esbanjando-se de rir e apanhando bofetadas e batidas, com a pauta de aula, do Padre Aguiar, que fingindo estar brabo e sério, também ria, quando atingia alguma cabeça, em seu furor cômico. Víamos, ao longe, sua batina preta, esvoaçando, cobrindo seu corpo, ainda moço mas já com algum volume de ventre, corpo esse que se movia rapidamente, distribuindo bofetões e pautadas, a torto e à direito, não em crianças malcriadas, mas em marmanjões de mais de 1.80 ou de 1.90m, atletas de 19 a 24 anos, que fugiam do padre e riam ao mesmo tempo. Mas, todo esse espetáculo cômico, que se repetia constantemente não só na BA, mas também no BC (prédio da Benjamin Constant), não era uma represália do padre-professor contra alunos mal criados. Mas sim, fruto de muito amor e carinho que os alunos nutriam por ele e vice-versa. Daí as brincadeiras diríamos, quase violentas. Por que todo esse amor e todo esse carinho? Nós pessoalmente tínhamos por ele grande respeito e amizade. Não havia entre nós essas intimidades que aconteciam com os alunos, porque, naturalmente nunca fomos seu aluno e sim seu colega de magistério. Ele era bem mais velho, mas seu espírito era jovem, estava sempre rindo e brincando, inclusive na sala dos professores, antes ou nos intervalos de aulas. Não que não fosse sério. Nos lembramos dele não só como Professor de CMR (Ciências Morais e religiosas), temido pelos alunos como mestre rigoroso, e apavorante em épocas de provas, mas também como diretor da Faculdade de Direito. Ai de quem colasse em suas provas. Perdia a prova no ato, com nota zero e ainda sofria sérias represálias orais, quando não era expulso de aula. Chamava o colador de pulha, de ladrão, de safado e outros adjetivos; ficava rubro de raiva, quando presenciava um ato de cola ou mesmo o pronunciamento de ligeiras palavras que poderiam ser interpretadas como preparativo para uma cola. Assim, em suas provas, reinava silêncio sepulcral. Se ele desconfiasse de algum aluno, ou aluna, por causa de um olhar ou gesto suspeito, durante a prova, movia-se do seu lugar para o lado do aluno, com a velocidade de um raio e já armado de alguma régua ou pauta enrolada, para castigar o faltoso, no ato, caso se verificasse o delito. Se não, era capaz até de dar uma gargalhada e dizer: “Assustou-se? Isso é para você ver o que pode acontecer se não agir corretamente”. Aquele aluno ou aluna que, de fato fosse apanhado colando, ficava na berlinda; não merecia mais suas brincadeiras e bofetadas amorosas. Mas, por pouco tempo. Não guardava rancor, logo, seu enorme coração perdoava o faltoso e como sinal do perdão, levava um cascudo, acompanhado de xingamentos humorísticos e risadas. As moças, entretanto, eram respeitadas. Brincava com elas também, ou brigava em caso de cola, mas não as tocava. Sempre dizia: “as moças só podem ser tocadas com flores”. O amor originava-se, dele incarnar o verdadeiro Pai.
Nos lembramos principalmente dele como sacerdote. Quantas vezes recebemos a Sagrada Comunhão de suas mãos consagradas! Quantas vezes conversamos com ele sobre assuntos de Doutrina Católica. Quantas vezes ele nos indagava sobre assuntos históricos e monárquicos, durante longas horas!
Nós o respeitávamos como verdadeiro Padre. Nunca o vimos sem batina. – “Como posso ser conhecido como Padre, se andar sem batina?” – “Certa vez, na rodoviária, um rapaz desesperado pediu-me que o ouvisse em confissão. Sentei-me num banco, ele ajoelhou-se no chão, e confessou-se. O assunto era sério, mas ele saiu calmo, depois da confissão. Se eu estivesse sem batina, quem sabe, alguém viesse a perder a vida, ou ele mesmo!?
Suas palavras, quando não estava brincando eram sempre apostólicas. Em qualquer tempo ou lugar ele pregava a Palavra de Deus. Devotíssimo de Nossa Senhora, isto era também fator de nossa união. Nós também brincávamos eventualmente com ele. Um grande professor de Direito, que infelizmente a Universidade dispensou, também gostava de conversar com Padre Aguiar, e dava-lhe carona para o Seminário quase toda noite, mas se declarava ateu.
E nós, brincando com o velho sacerdote, costumávamos dizer-lhe: “Com este, o senhor perdeu!” Mas acreditamos que, agora, no Céu, ele consiga mais facilmente a conversão deste aludido professor, que foi muito seu amigo e que também prezamos bastante, e que foi grande perda para a UCP, sua saída. Tínhamos um outro grande professor, que era judeu, Certa vez, ao entrarmos no atendimento de professores o encontramos conversando com o Pe. Aguiar. Brincando, abraçamos aos dois e dissemos: “Que interessante! O Velho Testamento confabulando com o Novo Testamento!
O professor judeu, pareceu-nos não ter gostado muito da brincadeira, mas Pe. Aguiar deu risada.
Todos seus antigos alunos e colegas de magistério ainda hoje, lamentam seu falecimento, e principalmente a terrível agressão física que trouxe o início de seu fim.
Entrentanto o que mais nos chocou, mais ainda do que a agressão física que sofreu, foi uma fotografia que nos mostraram, certa vez, no atendimento aos professores. Quando ele foi agredido esteve internado na casa da Providência aqui mesmo em Petrópolis. Fomos visitá-lo e dissemos que queríamos vê-lo de volta, restabelecido, dando suas aulas e celebrando suas Santas Missas na UCP. Acreditamos que não nos reconheceu, pois com um olhar vidrado só nos disse, repetidamente “UCP, UCP, UCP”. Quando melhorou do choque físico, foi levado para o Colégio dos Vicentinos (ele era vicentino), no Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Foi de lá que enviaram esta fotografia. Vimos então que além do choque físico, ele sofrera um muito pior: mental, psíquico, não sabemos. Na foto, o Pe. Aguiar que conhecíamos, não era mais ele, pois, com um sorriso meio estranho e cercado de outros vicentinos vestia calça “blue jeans” e camiseta. Mais tarde veio a falecer, mas, para nós, sua morte acontecera antes, por ocasião das circunstâncias que ocasionaram esta fotografia.

5 comentários:

JOSE PEDRO DE SOUSA disse...

ESTUDEI NA DECADA DE 70 NA UCP E ME LEMBRO MUITO DO PADRE AGUIAR. ESTAVA PESQUISANDO UMA FOTO DELE NA INTERNET PARA COLOCAR NO SITE DA MINHA TURMA CRIADO NO FACEBOOK. NÃO ACHEI ATÉ AGORA MAS ADOREI ESTE TEXTO. O PADRE AGUIAR FOI BEM DESCRITO. ADOREI.

Unknown disse...

Estudei na UCP no final da decada de 70, esse era realmente o Padre Aguiar, o padre que celebrou meu casamento, o batizado dos meus filhos, a missa de despedida do meu pai. Um grande amigo, visitei-o no Cosme Velho, mas infelizmente ele não me reconheceu, era o vozão dos meus filhos e sempre me dizia: "Eles estão na casa do vô deles podem fazer o que quizerem, quem tem que dar educação a eles é você que é pai, mas eu que sou avô, posso deseduca-los.
Quanta saudade!

Unknown disse...

Estudei na UCP no final da decada de 70, esse era realmente o Padre Aguiar, o padre que celebrou meu casamento, o batizado dos meus filhos, a missa de despedida do meu pai. Um grande amigo, visitei-o no Cosme Velho, mas infelizmente ele não me reconheceu, era o vozão dos meus filhos e sempre me dizia: "Eles estão na casa do vô deles podem fazer o que quizerem, quem tem que dar educação a eles é você que é pai, mas eu que sou avô, posso deseduca-los.
Quanta saudade!

Tânia Marinho disse...

Meu DEus! Otto de Alencar Sá Pereira , meu professor de História, meu ídolo, minha referência. Ter visto, na Internet, o obituário do meu Mestre, deixou-me desolada. Que falta o senhor faz, Mestre! Que falta o senhor faz..

Luiz disse...

Padre Aguiar foi meu Mestre de CMR em 1980, no curso de Engenharia, no prédio da Barão do Amazonas. . . Só tenho boas recordações. . . Suas aulas eram sempre descontraídas, mas muito instrutivas. . . Nessa época, a maioria dos professores de engenharia da UCP pareciam ter por objetivo reprovar os alunos, dando aulas deficientes e aplicando provas cabeludas, muito acima do nível das suas aulas. . . As provas do Padre Aguiar, porém, eram honestas, condizentes com o nível do que ensinava. . . Até hoje me lembro das suas interessantes aulas sobre encíclicas religiosas. . . Fiquei triste em saber do seu falecimento. . . e mais triste ainda por saber que ele, uma pessoa tão boa e inofensiva, foi vítima de agressão violenta. . . Alguém sabe explicar, como e porque, isso pôde acontecer ?